É abusivo responsabilizar consumidor por dano ou perda de aparelho de TV e internet
Publicado em 07/08/2024
É abusiva a cláusula contratual que atribui ao consumidor a responsabilidade integral por dano, perda, furto, roubo ou extravio de equipamento locado ou cedido em comodato por prestadora de serviços de internet e televisão por assinatura.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, aceitou nesta terça-feira (6/8) recurso do Ministério Público de São Paulo e ordenou que uma prestadora de serviços de TV por assinatura e internet exclua de seus contratos cláusula que responsabiliza o consumidor por perdas ou danos de modens e decodificadores, mesmo diante de caso fortuito ou força maior.
O MP-SP ajuizou ação civil pública contra a empresa. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, mas o Tribunal de Justiça paulista reverteu a decisão. A corte entendeu que a liberdade contratual entre as partes afastaria a abusividade da cláusula, à luz dos artigos 565 e 569 do Código Civil. Os dispositivos estabelecem as obrigações do locatário de coisas, como restitui-las no estado em que as recebeu. O TJ-SP ainda citou os artigos 579 e 582 do Código Civil, que tratam do comodato e da obrigação do comodatário de conservar a coisa, sob pena de responder por perdas e danos. O MP-SP recorreu da decisão ao STJ.
Voto do relator
O relator do caso, ministro o relator, ministro Humberto Martins, destacou a importância de se respeitar os estatutos epistemológicos das disciplinas jurídicas. Ou seja, uma disciplina não deve se sobrepor à outra que tenha dogmática autônoma, sob pena de implicar julgamentos acríticos e fora de contexto. Por exemplo, não se pode aplicar acriticamente o Código Civil às situações regidas pelo Código de Defesa do Consumidor, nem este às relações eminentemente civis.
Pontuou o relator que o consumidor não responde pelos prejuízos oriundos de caso fortuito ou força maior e que não se deve aplicar o disposto no artigo 393 do Código Civil, como fez o TJ-SP. Isso porque não se está diante de uma relação de direito civil, e sim diante de uma relação de consumo, para a qual o CDC dispõe expressamente (artigo 51, IV) que, no fornecimento de produtos e serviços, são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.
O relator acrescentou que, embora os contratos de locação de coisa e de comodato sejam negócios jurídicos principais no Direito Civil, ambos podem assumir natureza acessória quando a controvérsia disser respeito ao Direito do Consumidor (como no caso concreto, no qual o contrato principal é a prestação de serviços de internet e TV por assinatura, e não a locação ou o comodato dos equipamentos necessários à atividade da prestadora do serviço).
O consumidor pode escolher a prestadora dos serviços, mas não lhe é facultado escolher qual empresa fornecerá o equipamento que lhe será entregue em comodato ou locação pela prestadora do serviço, pois isso é consequência automática do contrato de adesão ao principal (que não permite alterações por parte do contratante). Logo, a cláusula de assunção do risco em questão gera desequilíbrio contratual e coloca o consumidor em desvantagem desmedida, apontou Martins.
Dessa maneira, a 3ª Turma do STJ declarou a nulidade das cláusulas abusivas dessa natureza e determinou que prestadora retifique seus futuros contratos, sob pena de multa no valor de R$ 5 mil a cada irregularidade constatada, devendo indenizar os prejuízos aos consumidores, que, sem culpa ou dolo, foram cobrados indevidamente.
A corte ainda ordenou a divulgação, em sites de notícias e páginas de grande alcance da nulidade das cláusulas e do direito ao ressarcimento, no foro dos respectivos domicílios, dos consumidores que efetuaram pagamentos indevidos.
REsp 1.852.362
Fonte: Conjur - Consultor Jurídico - 06/08/2024
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