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Superendividamento maior é problema do mercado de crédito, não do consumidor
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Superendividamento maior é problema do mercado de crédito, não do consumidor

Publicado em 17/08/2017 , por Fabiana D'Andrea Ramos

A última Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic)[1], apurada mensalmente pela Confederação Nacional do Comércio, Bens, Serviços e Turismo (CNC) desde janeiro de 2010, revelou que em julho de 2017 57,1% das famílias brasileiras estão endividadas; 24,2% estão com contas atrasadas e 9,4% não terão condições de pagar. A (in)capacidade dos devedores de saldar suas dívidas, é o que chamamos de superendividamento. Em julho de 2016 o índice de famílias superendividadas era de 8,7%, o que representa um aumento de quase 1%. Longe de ser um problema ultrapassado, o superendividamento permanece um problema que se agrava quotidianamente.

Compreendido como a impossibilidade de o devedor/consumidor pagar todas as suas dívidas atuais e futuras, o superendividamento exige uma reflexão profunda sobre a forma e função da concessão (indiscriminada) de crédito no mundo de hoje. Dentre as formas a serem mencionadas, merece destaque, especialmente no contexto nacional, o crédito consignado, que alcançou grande popularidade durante o governo Lula.

Não é novidade referir-se à sociedade hodierna como “sociedade de consumo”[2], reflexo de uma inegável de transição para uma nova era para além da modernidade, a que muitos denominam pós-modernidade ou pós-modernismo.[3]

O papel do consumo nos sistemas social, econômico, político, cultural e mesmo jurídico que vivemos é imensurável. Trata-se de característica complexa e profunda da sociedade atual que afeta não somente como vivemos, mas quem somos ou como nos vemos a nós mesmos. Afeta, pois, as relações interpessoais, pessoais-institucionais, interinstitucionais e, ainda, existenciais e espirituais.

A virtuosidade pretendida, no entanto, é interrompida por desvios resultantes do próprio sistema. A busca incessante pela satisfação dos próprios desejos por meio do consumo acarreta uma sociedade individualista, onde predomina um materialismo calcado no sucesso pelo ter. O prazer e a satisfação gerados pelo consumo são explorados pelo mercado, transformando o consumidor não em acumulador de bens, mas de sensações.

O crédito, portanto, mais do que um meio para aquisição de bens e serviços (consumo), representa um meio de alcançar e manter um estilo de vida hedonista, uma “sensação” de pertencimento social, de status, de sucesso.

Tal aspecto emocional é fundamental quando se leva em consideração que o processo de tomada de decisões do cérebro humano é extremamente influenciado pelas emoções. Diferente do que se defendeu durante boa parte do Século XX, o cérebro humano não representa um ideal de racionalidade. Nem mesmo a área do córtex frontal, identificada como a parte do cérebro responsável pela razão e inteligência, capaz de diferenciar e espécie humana dos outros mamíferos, é indiferente às emoções. Ao contrário, a neurociência contemporânea sabe não só que “parte significativa do córtex frontal está envolvida com as emoções”, mas que as mesmas são fundamentais para tomada de “melhores” decisões.[4]

Mas as emoções não são perfeitas e podem nos conduzir a decisões prejudiciais. Um exemplo disso está bastante relacionado com o consumo por meio de cartões de crédito. Cientistas identificaram um defeito mental denominado “aversão à perda”, que se constitui em um hábito mental muito poderoso, que nos conduz a evitar decisões que impliquem perdas.  Em situações que se apresentam com possibilidades de perdas e ganhos, o cérebro se concentra automaticamente muito mais na perda, do que no ganho. Desta forma, em circunstâncias que configurem uma perda imediata, mas com ganho compensatório posterior e outras que apresentem um ganho posterior inferior, mas sem a perda inicial, ainda que no resultado final a primeira opção seja matematicamente (e por isso “racionalmente”) mais vantajosa, o cérebro tende a evitar a perda.Desta forma, o mencionado defeito de aversão à perda pode configurar um obstáculo à tomada de boas decisões.[5]

Não obstante, no que se refere ao consumo, a aversão à perda pode ter um lado positivo, se considerarmos que o pagamento do preço por um produto ou serviço pode configurar uma perda real, a qual o cérebro naturalmente procurará evitar, nos levando a consumir menos. Mas existe um outro perigoso defeito no cérebro, também relacionado às emoções, que tendem a supervalorizar ganhos imediatos, em detrimento de despesas futuras.[6] O cartão de crédito é, neste caso, o instrumento perfeito para estimular um consumo irresponsável.

Pagar com dinheiro de plástico muda fundamentalmente o modo como gastamos, alterando os cálculos de nossas decisões financeiras. Quando se compra algo com dinheiro, a compra envolve perda real – sua carteira fica literalmente mais leve. Mas os cartões de crédito transformam a operação em algo abstrato, de modo que não se sente o lado ruim de gastar dinheiro. Experimentos com tomografias cerebrais sugerem que pagar com cartões de crédito efetivamente reduz a atividade na ínsula, região do cérebro associada a sentimentos negativos. [...] O ato de gastar dinheiro não se torna associado a uma sensação ruim, então você gasta mais.[7]

A compreensão dos erros do cérebro emocional é fundamental para pautar políticas (necessárias, ainda que inexistentes) que auxiliem os indivíduos a tomarem decisões melhores e prudentes, superando seus impulsos irracionais.[8] É mais com a educação (e não estímulo) ao consumo que um poder público responsável deve se preocupar.

Neste contexto é que se deve compreender a oferta e tomada de crédito hoje e também é este contexto que deve ser levado em consideração na regulamentação do setor. Se por um lado, do ponto de vista macroeconômico, o acesso ao crédito acarreta um inegável e bem-vindo crescimento; por outro lado, confere ao fornecedor o poder de se aproveitar do “consumidor-escravo-de-seus-desejos” para obter vantagens estritamente pessoais.

O fenômeno do superendividamento é resultante desta realidade, de uma oferta indiscriminada de crédito[9], combinada com o despreparo dos consumidores para lidar com este novo produto/serviço e, ainda, associada a situações particulares, mas não incomuns, de necessidades extraordinárias, como desemprego, doença e outros.

É preciso ainda levar em consideração que as emoções têm papel importantíssimo nos processos cerebrais ativados durante a formação do convencimento e consentimento decisório. No mundo hodierno, estas emoções são em geral produzidas, estimuladas, incentivadas, criadas pelos fornecedores. Desta forma, nada mais natural para uma legislação de tutela e reequilibradora como o Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC) do que transferir o risco do negócio para aquele que goza de posição privilegiada na relação, o fornecedor.

Tal transferência do risco encontra seu fundamento na boa fé objetiva, que trouxe este caráter reequilibrador da relação. Inserida no CDC como princípio da política nacional das relações de consumo, atua como verdadeira cláusula geral. Neste contexto, representa papel fundamental no restabelecimento do equilíbrio necessário às desproporcionais relações de consumo. Assume assim importante função ética, com uma aplicação teleológica determinada de proteção da parte mais fraca, o consumidor.

Uma das formas de se alcançar este reequilíbrio, expressão da boa fé objetiva, é através do regime da transparência[10] nas relações de consumo. Transparência, neste contexto, pode ser entendida como “o resultado prático, que a lei substancialmente persegue mediante o que se pode denominar princípio da informação”[11].

A informação, portanto, atua como importante fator de racionalização das opções do consumidor e é instrumento por meio do qual se alcança a pretendida e necessária transparência. Não surpreende, pois, que, no âmbito normativo, surja como um dos direitos básicos do consumidor.

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor estabelece em seu artigo 6° o direito básico do consumidor à informação. A face passiva desse direito é a obrigação de informar que se atribui ao fornecedor e que deve ser analisada em dois aspectos: quanto ao seu conteúdo e quanto ao momento de cumprimento.

No que diz respeito ao conteúdo, a obrigação de informar só será efetivamente cumprida quando preencher os requisitos de adequação, suficiência e veracidade. Quanto aos meios, é certo que devem ser compatíveis com o produto ou o serviço determinado e com o consumidor destinatário. Isso significa dizer que se deve atentar para a subjetividade do consumidor na escolha do meio, o qual deve ser adaptado às suas

Também é importante destacar o aspecto relativo ao momento do cumprimento da obrigação de informar. Sendo obrigação legal autônoma, a sua incidência ocorre durante toda a relação de consumo, desde o mais simples contato social (que tenha o consumo como finalidade), passando pela celebração do contrato, execução até o momento pós-contratual. É correto afirmar, entretanto, que há momentos em que a observância da obrigação de informar será especialmente relevante. É o que ocorre no momento pré-contratual, pois as informações aí transmitidas são essenciais para a formação do consentimento do consumidor. Considerando que as normas de tutela têm entre seus objetivos o de reintegrar a racionalidade nas relações de consumo, natural que se despenda maior esforço para que as escolhas do consumidor sejam refletidas e autodeterminadas. A racionalização das opções do consumidor é, seguramente, a mais importante função da obrigação de informação.

No ato da celebração do contrato, também é fundamental o completo cumprimento da obrigação de informar, devendo os contratos serem apresentados por escritos e sempre redigidos de forma clara, facilitando sua compreensão pelo consumidor.

Por fim, a obrigação de informar estende-se à execução do contrato e à fase pós-contratual, incidindo durante todo o período de duração do contrato. Isso torna-se especialmente relevante em contratos de longa duração, como costumam ser os contratos bancários. A informação clara, precisa e adequada às necessidades especiais do consumidor.

Nos contratos de empréstimo bancário são imprescindíveis informações tais como: margem consignável e da base de cálculo das prestações; incidência de custos operacionais agregados e qualquer outra taxa ou acréscimo eventualmente incidentes; taxa de juros; valor total do empréstimo, com e sem juros; valor, número e periodicidade das prestações; data do início e fim das prestações são imprescindíveis para o bom cumprimento da obrigação de informar. Ainda, deve a instituição financeira solicitar esclarecimentos quanto à existência de outras dívidas, bem como quanto às despesas do consumidor e, conforme for o caso e o volume de comprometimento da renda do consignado, advertir dos riscos ou mesmo aconselhar a não realizar o negócio.

É importante lembrar que crédito diz respeito àquilo que a pessoa poderá pagar no futuro e não àquilo que pode pagar no momento, e esse cuidado deve ser suportado pelo fornecedor, cuja responsabilidade é oferecer um crédito produtivo (ou seja, um meio para melhoria da condição financeira do consumidor, que se dá pela utilização do crédito em uma atividade produtiva, que deve ser analisada pelo financiador) e que ao não o fazer assume o risco do negócio. A isso se pode chamar concessão responsável de crédito.

O cumprimento da obrigação de informar também está presente na ideia de concessão responsável de crédito. O descumprimento da obrigação de prestar informação eficiente na fase pré-contratual e no ato da celebração, influindo decisivamente na opção racional do consumidor, implica em vício de consentimento, tornando anulável a declaração de vontade. Durante a execução do contrato, a inadequabilidade das informações prestadas seja no conteúdo do contrato ou por outro meio configura inadimplemento contratual, e é fundamento para a resolução do contrato.

É preciso, pois, mudar a perspectiva de tratamento da concessão de crédito no Brasil, de modo que se possa compreender que o problema do superendividamento não é um problema do consumidor, mas do mercado de crédito, que fornece um produto/serviço que não atende aos padrões legais de qualidade e transparência.



[1] Disponível em http://cnc.org.br/central-do-conhecimento/pesquisas/economia/pesquisa-nacional-de-endividamento-e-inadimplencia-do--32
[2]Cf. BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1999. p. 87, que afirma: “Nossa sociedade é uma sociedade de consumo”, a qual contrapõe à anterior “sociedade de produtores”.
[3]GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: UNESP, 1991. p. 11.
[4]LEHRER, Jonah. O momento decisivo. Rio de Janeiro: Best Business, 2010. p. 38-39.
[5]Ibid., p. 95-97.
[6]LEHRER, 2010, p. 107.
[7]Ibid., p. 106.
[8]LEHRER, op. cit., p. 111-112.
[9]O acesso ao crédito no Brasil é uma realidade muito recente, especialmente do crédito direcionado à classe média e camadas sociais de baixa renda, que usualmente não dispõem de patrimônio suficiente para garantia, sendo bastante significativa a expansão (ou, melhor dizendo, explosão) deste serviço organizada e implementada e estimulada pelo governo Lula, especialmente a partir do ano de 2003; Cf. BARONE, Francisco Marcelo; SADER, Emir. Acesso ao crédito no Brasil: evolução e perspectivas. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 42, n. 6, p. 1251, nov./dez. 2008.
[10]Expressamente previsto no caput, do artigo 4º, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
[11]TOMASETTI JÚNIOR, Alcides. O objetivo de transparência e o regime jurídico dos deveres e riscos de informação nas declarações negociais para consumo. Revista Direito do Consumidor, n. 4, p. 53, 1992.

Fonte: Conjur - Consultor Jurídico - 16/08/2017

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