Hurb e 123 Milhas: um ano depois, consumidores seguem com dificuldades de reaver o dinheiro
Publicado em 28/05/2024 , por Rayane Macedo
Episódio do podcast Educação Financeira traz dicas de como os consumidores podem tentar recuperar os valores pagos por viagens não realizadas, e mostra os relatos de três clientes que seguem sem receber.
“O maior prejuízo foi a expectativa criada em torno dessas viagens. A frustração está grande”, lamenta Beatriz de Paula, cliente do Hurb, em entrevista ao podcast Educação Financeira desta semana.
A carioca de 33 anos comprou cinco pacotes de viagens com a empresa, como presente de aniversário da filha, que completou 15 anos em janeiro. A viagem seria neste mês de maio, mas virou um prejuízo de R$ 6 mil. (saiba mais do caso abaixo)
Tanto o Hurb como a 123 Milhas protagonizaram dois dos casos mais rumorosos do mercado de turismo brasileiro. As empresas ofereciam pacotes promocionais de viagem, a preços baixíssimos, até que não puderam mais cumprir com os contratos firmados. (relembre também abaixo).
Não bastasse o transtorno de terem suas viagens canceladas, clientes relatam as dificuldades de conseguirem o estorno do valor investido. Mais de um ano depois do estouro das crises, ficaram sem viagem e sem o dinheiro.
No episódio desta semana, o podcast Educação Financeira conta a história de três clientes de Hurb e 123 Milhas que continuam sem receber. Também entrevista a advogada Cláudia Roitman, que explica as alternativas jurídicas que os compradores prejudicados podem recorrer para tentar reaver os valores.
Relembre o caso do Hurb
O Hurb, antigo Hotel Urbano, faz parte do mercado de compras de viagens online no Brasil desde 2011. A empresa oferecia pacotes de viagens promocionais pelo sistema de “datas flexíveis”, que significa que os destinos não possuem uma data fixa para serem realizados.
Para viabilizar as viagens, a empresa fazia uma aposta em preços baixos de passagens e hospedagens para vender pacotes com valores abaixo da média do mercado. A partir da compra, a empresa precisava garimpar os dias de voo e estadia mais baratos possíveis — por isso, sem data marcada.
A partir de abril de 2023, o modelo ruiu: com o aumento dos preços de passagens e hospedagens após o baque da pandemia de Covid, o Hurb precisou cancelar ou adiar indefinidamente os pacotes promocionais.
Na época, hotéis e pousadas suspenderam reservas de hospedagem feitas pelo Hurb após atrasos ou falta de pagamentos da plataforma.
A crise provocou a saída do CEO da empresa e uma operação para realocação das viagens e reembolsos para os clientes que tiveram suas passagens canceladas. Muitos, porém, não receberam até hoje.
A crise da 123 Milhas
A 123 Milhas, fundada em 2017, é concorrente do Hurb, pois também atuava com o modelo de viagens promocionais com datas flexíveis. Da mesma forma, entrou em crise no ano passado, e anunciou a suspensão dos pacotes e da emissão de passagens de sua linha promocional.
Alegando crise anterior à situação com o pacote “Promo”, a empresa reportou mais de R$ 2 bilhões em dívidas e precisou recorrer a uma recuperação judicial.
O processo jurídico serve para evitar que empresas em dificuldade financeira fechem as portas. As dívidas das empresas são travadas por (ao menos) 180 dias, fazendo com que a empresa ganhe prazo para negociar com os seus credores.
A empresa, então, entrega um cronograma de quitação, chamado Plano de Recuperação Judicial. Ali, são estipulados prazos para pagar credores, e tudo deve ser aceito por uma Assembleia de Credores.
Os consumidores são um dos últimos na fila de preferência, e se a empresa aprovar um plano que prevê descontos na dívida, muitos podem receber menos do que investiram. (saiba mais abaixo)
A 123 Milhas não conseguiu aprovar o plano até hoje. A recuperação judicial da 123 Milhas enfrentou duas suspensões no TJMG, em setembro de 2023 e em janeiro de 2024, o que atrasou o processo.
No dia 1° de março deste ano, a Justiça voltou a ordenar a retomada da recuperação judicial da agência de viagens, mas ainda não há data para a apresentação do plano.
“Sonho que está cada vez mais distante de acontecer”
Beatriz de Paula, de 33 anos, comprou com o Hurb cinco pacotes de viagens promocionais, que incluem passagens e hospedagens.
Dois desses pacotes tinham como destino a Europa, onde a carioca iria passar as férias com a filha. A viagem com destino a Roma e Paris seria o presente de aniversário da jovem, que completou 15 anos em janeiro deste ano.
Os passeios possuem embarque previsto até o dia 1º de junho de 2024, conforme o sistema de “datas flexíveis” da empresa. No entanto, o Hurb já informou que a viagem não vai acontecer.
“Os dias que eu escolhi estão inválidos. Porém, a empresa não disponibiliza novas datas pois a validade do pacote está prestes a terminar. Eu perdi a expectativa de viajar”, declarou a secretária escolar.
Print dos pacotes de viagens para Europa. — Foto: Arquivo pessoal.
Ao tentar escolher outro dia para viajar, o Hurb informa que “não há mais datas de agendamento” e que “é necessário um intervalo de 60 dias para concluir todo o processo de reserva”.
Além da viagem para Europa, Beatriz também comprou três pacotes:
- Uma viagem para Maceió, com uma amiga. A validade era até novembro de 2023.
- Uma viagem para Salvador, com outra amiga. Validade até novembro de 2023.
- Uma viagem para Curaçao, com amigas do trabalho. A validade vai até novembro de 2024.
“À medida que os pacotes vão perdendo a validade, a própria empresa muda o regulamento e estende a data”, informou a carioca. No total, Beatriz alega ter ficado com prejuízo de mais de R$ 6 mil.
“O prejuízo maior foi toda a expectativa que foi criada em torno dessas viagens, principalmente que um dos destinos seria o presente da minha filha. A frustração é grande. Foi um sonho que, infelizmente, está cada vez mais distante de acontecer”, diz.
Diante desse cenário, ela buscou a ajuda de advogados para saber se é viável processar a agência de viagens. Mas foi alertada que, mesmo com processo judicial, o Hurb não está cumprindo as sentenças.
“Então, seria um mau investimento tentar entrar com uma ação sem ter nenhuma garantia de que vou conseguir recuperar o dinheiro que foi gasto”, afirma.
Beatriz tentou contato com a empresa, por meio de e-mails e chats online, mas afirma que não conseguiu nenhum retorno e que não há nenhuma perspectiva para receber o seu dinheiro de volta.
“Nos sentimos lesados por fazermos uma compra falsa”
O professor de inglês Michael Propst, de 40 anos, comprou três passagens para Paris, com embarque previsto para dezembro de 2024. A compra, parcelada no cartão de crédito, foi feita com a 123 Milhas. Com ele, iriam viajar a esposa e a sogra.
Propst também pagou por um seguro-reembolso de viagem, caso tivesse algum imprevisto na data estipulada.
O educador recebeu a confirmação da compra das passagens por e-mail. No entanto, ao abrir a aba “Minhas viagens” do site da 123 Milhas, a confirmação não estava lá.
Ele solicitou o estorno da viagem. Mas o pedido não foi aceito, uma vez que a 123 Milhas já estava em recuperação judicial.
O casal também recorreu ao Procon-SP para tentar suspender o restante do valor que ainda precisava pagar, mas receberam resposta negativa da 123 Milhas e do banco.
“Então, sem opção, nós tivemos que fazer todo o pagamento de uma viagem que nós sabíamos que não iríamos receber. Nós nos sentimos lesados por fazermos uma compra falsa que fomos obrigados a pagar, e a empresa deixou claro que nós não iríamos viajar”, lamentou Propst.
“O Hurb não tem dinheiro em conta e por isso não devolve meu dinheiro”
Isabelly Cândido, de 28 anos, comprou com o Hurb duas passagens com destino à Ilha do Mel, no Paraná, e Aracaju, que iriam acontecer em 2023.
Ao ver a onda de denúncias contra a empresa, em abril do ano passado, decidiu cancelar as viagens, “com o intuito de ter o estorno desse valor para conseguir fazer a compra do pacote em outra companhia aérea”. A jovem judicializou a causa.
Em agosto de 2023, Isabelly recebeu o retorno de sua advogada, de que ela havia vencido a ação de uma viagem e, por isso, teria direito ao reembolso, além de danos morais.
“Porém, até hoje eu não tive estorno desse valor. Foi informado que o Hurb não tem nenhum dinheiro na conta e por isso o juiz não consegue essa penhora, então eles não conseguem devolver esse dinheiro”, relatou a jovem.
Desde então, Isabelly está há quase um ano esperando o reembolso do preço da passagem paga, mesmo com a causa ganha.
O que fazer se eu fui prejudicado pela 123 Milhas?
Cláudia Trief Roitman, advogada especialista em direito civil, afirma que, em virtude da 123 Milhas estar em uma recuperação judicial, a melhor opção para o consumidor seria propor uma ação na Justiça, uma vez que as dívidas estão congeladas.
Neste caso, o processo serviria para pedir o cumprimento forçado da oferta ou a devolução do valor.
No entanto, o consumidor, chamado de credor quirografário, é um dos últimos a receber o pagamento em uma empresa que entra em recuperação judicial.
Se depois dessas etapas a 123 Milhas não tiver dinheiro suficiente para quitar os débitos dos clientes, será dividido o valor restante entre eles.
O prazo para o pagamento dos débitos vai depender do plano de recuperação que a 123 Milhas aprovar. Mas o projeto inicial ainda nem foi divulgado. A conclusão desse processo, isto é, o pagamento de todos os credores, pode demorar anos.
Para aqueles que não judicializaram seus débitos, Roitman afirma que a opção é tentar contato com a 123 Milhas, visto que ela é obrigada a cumprir com as ofertas, independentemente da recuperação judicial.
Justiça determina a retomada da recuperação judicial da 123 Milhas
O que fazer se eu fui prejudicado pelo Hurb?
O Hurb não está em recuperação judicial, o que significa que ela está funcionando apesar da crise financeira.
Neste caso, a advogada relata que pode ser mais vantajoso mover uma ação contra o Hurb do que contra a 123 Milhas, uma vez que a primeira não tem a obrigação de seguir uma lista de credores.
No entanto, Cláudia afirma que esse processo não é rápido, podendo demorar de um a três anos para ser concluído.
O que dizem as empresas
Hurb
Guiado pela missão de democratizar o acesso a viagens para milhares de brasileiros, o Hurb, que atua há mais de 13 anos no setor de turismo, sempre prezou pela transparência com os seus viajantes. A companhia reconhece os problemas enfrentados e lamenta pela frustração dos clientes impactados.
Em relação à solicitação do g1, a companhia esclarece que o desconhecimento dos números identificadores dos pedidos mencionados impossibilita um posicionamento individualizado e assertivo. E, por questões legais, a empresa não comenta processos judiciais e/ou ações em andamento, mas afirma que está à disposição das autoridades para prestar quaisquer esclarecimentos.
O Hurb ressalta, contudo, que segue trabalhando em força-tarefa para a normalização das operações e reitera o comprometimento com a realização das viagens adquiridas, bem como com a devolução de valores solicitados por clientes que optaram pelo cancelamento do serviço, seja nos casos judicializados ou não.
Desde sua concepção, a OTA adota a tecnologia para potencialização de suas atividades, o que viabiliza a obtenção de preços mais acessíveis. O pacote de Mês Fixo, modalidade de produto ofertada pela empresa desde julho de 2023, está 100% dentro do prazo de entrega contratado. Com período da viagem determinado e escolhido pelo viajante no momento da compra, a companhia informa que todos os acordos de serviço envolvendo o produto vêm sendo integralmente cumpridos nas condições informadas no momento da compra.
Os viajantes que tiverem qualquer questão sobre sua viagem devem entrar em contato com a empresa por um dos seus canais oficiais de Atendimento ao Cliente. É possível falar diretamente com o time de consultores da empresa, conforme indicado na Central de Ajuda.
Por fim, o Hurb ainda frisa que, em prol da escuta ativa e cuidado com seus públicos, está à disposição para esclarecer eventuais dúvidas.
123 Milhas
A 123milhas entrou, em 29 de agosto de 2023, com um pedido de recuperação judicial na Justiça de Minas Gerais. O procedimento visa permitir a reestruturação econômico-financeira e operacional de empresas viáveis que enfrentam crise financeira momentânea. Os clientes que adquiriram passagens ou pacotes com a 123milhas antes da data do pedido de recuperação judicial são hoje credores da empresa por força do quanto disposto na Lei de Recuperações (Lei nº 11.101/2005).
No momento, o Grupo 123milhas aguarda a decisão da Justiça para dar prosseguimento ao processo da RJ, que tem, como próximo passo, a apresentação de um plano para pagar todas as suas dívidas com os credores.
Em relação às parcelas vincendas, o Grupo 123milhas já fez há meses o pedido de cancelamento de tais cobranças por parte das credenciadoras de cartão de crédito e demais instituições de arranjos de pagamento, ressaltando, portanto, a sua preocupação com a situação.
Fonte: G1 - 27/05/2024
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