Rei do Pix: dinheiro fácil esconde esquema criminoso
Publicado em 06/07/2022 , por Natalie Vanz Bettoni
Troca de valores pode transformar vítima em cúmplice; entenda
CURITIBA
A realeza do Pix está nas redes. Contas no Instagram, Twitter e TikTok de autointitulados reis e rainhas da forma de pagamento oferecem retorno de até 1.000% sobre valores enviados em transferências. É assim que golpistas trocam quantias provenientes de atividades ilícitas, passíveis de bloqueio pelo banco, por dinheiro livre para utilização.
Os perfis costumam oferecer uma lista de possíveis trocas ao usuário: se enviar um Pix de R$ 10, recebe R$ 100; ao enviar R$ 500, recebe R$ 5.000.
Pode ser que, após enviar o dinheiro, a pessoa não receba nada em troca: o dinheiro é rapidamente sacado pelos golpistas, impedindo que instituições bancárias, quando contatadas, desfaçam a transferência. Mas há casos em que o prometido se concretiza —ao menos por um curto período de tempo.
Thiago Chinellato, delegado da Divisão de Crimes Cibernéticos na Polícia Civil de São Paulo, explica que o golpista envia um valor oriundo de crimes (como clonagem de um cartão) e, dada sua origem, tem grande chance de ser confiscado. Em troca, ele recebe da vítima um valor menor, mas que vem de uma conta regular e, portanto, pode ser livremente utilizado.
Muitos dos perfis deixam claro que o dinheiro vem de atividades ilícitas, exibindo informações sobre contas bancárias e cartões sequestrados. Se comprovada, a ciência do cidadão acerca da origem do montante recebido permite sua caracterização como cúmplice do crime.
O esquema tem um funcionamento simples. No contato inicial, o golpista pergunta à pessoa qual é o pacote desejado, ou seja, quais os valores ela deseja depositar e quais receber. Então, ela é orientada a enviar a quantia para uma determinada conta, que geralmente pertence a laranjas ou foi sequestrada pelo golpista.
Após o envio, pode ser que a pessoa não receba retorno do valor. Caso receba, normalmente o dinheiro é proveniente de contas ou cartões clonados ou sequestrados. Assim, o golpista troca o dinheiro "sujo", oriundo de atividades ilícitas, por quantias vindas de uma conta bancária regular, depositado de livre e espontânea vontade pela vítima.
Os perfis de golpistas variam. Alguns vendem o esquema como "oportunidade de investimento"; outros se apresentam como forma de "burlar o sistema".
Há perfis que explicitam as atividades ilegais que os sustentam; comemoram abertamente sequestros de contas e dizem que o envio é feito a partir de contas de laranjas.
Às vezes, também utilizam nomes e logotipos de instituições bancárias como tentativa de demonstrar legitimidade, assim como vídeos de depoimentos e mensagens de supostos "clientes".
A reportagem tentou contato com os donos desses perfis, sem sucesso.
DE VÍTIMA A CÚMPLICE
Chinellato explica que é comum que a pessoa que enviou dinheiro ao estelionatário, teoricamente vítima do golpe, seja responsabilizada criminalmente.
"Se preliminarmente não teve conhecimento, teoricamente a pessoa não seria responsabilizada. Mas em geral, nesse tipo de fraude, a pessoa sabe, porque não existe técnica de dinheiro fácil. Não tem explicação para uma pessoa fazer uma transferência de R$ 50, receber R$ 1.000 de volta e achar que se trata de uma transação normal."
O delegado também explicita os riscos relativos ao compartilhamento de dados. "A exposição dos dados pessoais é sempre um risco, porque esses dados podem ser utilizados para a prática de outros golpes ou outras fraudes, como ter os dados utilizados para abertura de contas", afirma.
O advogado Plínio Higasi, especialista em direito digital, diz que mesmo que não esteja descrito no perfil que há envolvimento com atividades ilícitas, a ilicitude pode ser presumida em nível cível, .
"O Poder Judiciário considera o homem médio uma pessoa em pleno discernimento, uma pessoa com conhecimento razoável sobre as situações sociais, uma pessoa que utiliza a internet com certa frequência. Como ela entende uma situação tão absurda em que paga e recebe o dobro do valor?", questiona Higasi.
Já no âmbito penal, há presunção de inocência; então, criminalmente, quando há situação que desperte dúvida sobre conhecimento da vítima, ela pode ser eximida de responsabilidade pela presunção de inocência.
"Mas se houver qualquer tipo de ligação que o banco faça em relação aos valores de proveniência ilícita e a utilização por essa pessoa, o próprio banco pode acabar bloqueando e retendo estes valores", diz.
Se a pessoa realmente não tinha consciência de que participar de uma fraude, é recomendado entrar em contato com o banco para bloquear o Pix. "Tentar imediatamente, assim que tomou ciência da situação ilícita, entrar em contato com o banco para receber os valores. Mas é muito raro ter efetividade porque provavelmente houve saque dos valores assim que as pessoas receberam do outro lado", conclui o advogado.
Chinellato afirma que o mais importante é não acreditar em promessa de dinheiro fácil. "Isso não existe, ainda mais em um ambiente atual de dificuldade econômica de muitas pessoas."
O delegado recomenda não participar em nenhuma hipótese de grupos
Fonte: Folha Online - 05/07/2022
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