Bem de família como garantia de empréstimo é uma das piores propostas para reduzir juros
Publicado em 13/06/2022 , por Rodrigo Zeidan
Reforma só deve transferir a insegurança jurídica do mercado imobiliário para o mercado de crédito
O projeto de lei 4188/21, que amplia a possibilidade de penhora de imóvel de família por credores como garantia de empréstimos, pode até causar a redução dos juros a alguns consumidores, mas isso não quer dizer muito. Em questões institucionais sobre estrutura do sistema financeiro, os efeitos que dominam são os de segunda ordem, sobre o comportamento dos agentes.
Nesse caso, seleção adversa e risco moral seriam barreiras intransponíveis para benefício para sociedade. Na versão corrente desse novo marco, aprovado na Câmara e que tramita no Senado, a possibilidade de aumento de fraudes e conflitos familiares é significativa.
A fiança visa resolver assimetria de informação: o locador não tem informações precisas sobre o locatário e a garantia limita os riscos de uma família que estende crédito para outras. Mas o negócio dos bancos já é adquirir informações sobre seus consumidores.
É bom lembrar que hoje bem de família já pode ser dado em garantia de fiança locatícia e é passível de penhora nessa situação. Assim, uma extensão do direito a créditos diretos não seria problema, certo? Não é bem assim.
Em vez da "liberdade" de opção para os consumidores que podem escolher o imóvel como garantia, a pergunta correta é: quem usaria essa opção e como os credores discriminariam os bons dos maus tomadores de empréstimos? Seriam pessoas responsáveis que precisariam de crédito barato temporariamente?
Em artigo publicado na Revista Brasileira de Finanças, fiz uma extensa revisão sobre as razões dos juros no Brasil serem dos mais altos do mundo (na mesma edição foi publicado um excelente complemento por Klênio Barbosa). Não há um só fator, e a resposta passa pela insegurança jurídica, falta de competição (indiretamente patrocinada pelo Banco Central, que deixou o mercado se concentrar demais), custos de captação e de oportunidade, entre outros (este texto faz parte da campanha #CientistaTrabalhando).
Mas o projeto só deve transferir a insegurança jurídica do mercado imobiliário para o mercado de crédito.
Pior, ele cria uma instituição gerenciadora de garantias, que pode virar um monstrengo. Ela só funcionaria se não houvesse incerteza sobre quem realmente é dono do patrimônio, mas no país dos laranjas e contratos de gaveta, dá para confiar que os reais donos do imóvel de família vão usá-los para levantar recursos?
Não há complô do setor financeiro. Bancos não são imobiliárias. No passado, bancos eram obrigados a serem donos das suas agências. No primeiro dia que se tornou legal vendê-las e passar a alugá-las, os bancos se mobilizaram para fazê-lo; em alguns casos, celebraram contratos de 30 anos. O projeto atual só é mal desenhado.
É praticamente regra que qualquer reforma minimamente competente deve ser apoiada. Afinal, é impossível um equilíbrio pior do que o atual, com atraso institucional crônico e estagflação. Mas o problema a ser resolvido e a ferramenta para isso estão tão distantes que tornam o projeto inútil de entrada. Pior, como capital político é limitado, parece que ele foi escolhido a dedo.
Se for aprovado, os seus efeitos perversos só serão sentidos anos à frente. Caso não seja, o governo reclamará que estão embarreirando as "benditas reformas" em ano eleitoral. Mas isso não faz sentido. Entre as dezenas de medidas para reduzir juros, o governo escolheu uma das piores propostas possíveis. Parece que fez de propósito.
Fonte: Folha Online - 10/06/2022
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