Pegar e sair: como funcionam os supermercados da Amazon
Publicado em 11/04/2022 , por Rafael Balago
Entrar em uma loja, pegar os produtos e apenas ir embora, sem parar no caixa. Essa rotina vai se tornando uma opção mais comum nos Estados Unidos, em um movimento que cresceu com a pandemia.
A inovação está sendo testada e ampliada por gigantes da tecnologia, como Amazon e Apple, e por nomes tradicionais do varejo, como o Walmart, Starbucks e McDonald's.
A Amazon tem um sistema chamado "Just Walk Out" (apenas saia). O conceito começou a ser testado em 2018, nas lojas de conveniência Amazon Go. Em setembro de 2020, foi aberta a primeira unidade da Amazon Fresh, um supermercado de porte médio que usa a tecnologia. Um ano e meio depois, a bandeira Fresh já soma 26 lojas pelos EUA, em estados como Califórnia, Ilinóis, Pensilvânia e Virgínia, além da capital do país.
Em três testes feitos pela reportagem na Amazon Fresh de Washington, a cobrança foi feita de modo preciso. O supermercado tem frutas, pães, carnes, comida pronta e produtos de limpeza, em variedade limitada e preços ligeiramente acima da média da região.
Na entrada, há bloqueios. Para abrí-lo, o visitante precisa mostrar um QR Code gerado pelo aplicativo da Amazon. Pode também inserir um cartão de crédito ou escanear a palma da mão, caso ela esteja cadastrada previamente.
Em seguida, sensores e câmeras colocados no teto da loja seguem o cliente pelos corredores, e o sistema vai anotando digitalmente as compras. Basta pegar os produtos desejados, colocar na sacola —que pode ser a mochila ou a ecobag trazida de casa— e apenas ir embora, sem mostrar a ninguém o que foi levado .
A tecnologia consegue detectar se o frequentador desiste de um item e tira ele da sacola, mesmo que deixe o produto em outra parte da loja. Para facilitar o rastreio, itens como frutas e legumes são vendidos por unidade, e não por peso.
Segundos após sair da loja, o cliente recebe um email detalhando a compra. O valor é debitado do cartão de crédito salvo na conta da Amazon, como em uma compra online.
Ao comprar assim, ganha-se alguns minutos ao não precisar parar no caixa nem empacotar as coisas ao final, mas o processo dá a impressão de que não houve gasto. No começo, há um sentimento estranho, de estar fazendo algo errado ao sair sem falar com ninguém.
A sensação de "estar roubando" foi satirizada em um esquete recente do programa "Saturday Night Live", que mostra clientes negros com receio de colocarem as coisas na sacola por temerem serem acusados de roubo, enquanto os clientes brancos não passam por isso.
No final de 2021, a Amazon anunciou que planeja expandir o Just Walk Out para outras redes, como o supermercado Whole Foods e a rede de cafeterias Starbucks. Em novembro, um supermercado da rede Sainsbury’s, em Londres, passou a usar o sistema.
Outras redes têm apostado em estimular o cliente a usar o celular para registrar suas compras. O Walmart oferece o serviço Scan & Go para cadastrados no plano Walmart+, que tem mensalidade de US$ 12,95.
Nele, o cliente usa um app para escanear o código de barras dos produtos que pegar. O aplicativo vai avisando a soma da conta. Ao final, o comprador conclui o pagamento usando os dados do cartão de crédito, como em uma compra online.
Antes de sair da loja, no entanto, é preciso passar em um dos caixas de autoatendimento e mostrar a um sensor o código final gerado pelo app. Itens que precisam ser pesados, como frutas, e bebidas alcoólicas, não podem ser comprados desta forma.
O modelo Scan & Go é testado pelo Walmart há alguns anos, mas mostrou limitações e demora na expansão. Clientes relataram desconforto ao ter de escanear dezenas de itens em compras grandes, típicas de um hipermercado, por exemplo.
Também nos EUA, a rede de lojas de conveniência 7-Eleven oferece o Mobile Checkout, pelo qual os usuários podem ir escaneando os produtos usando um app, de modo similar ao do Walmart. A tecnologia estava em testes há quatro anos, mas foi expandida para cerca de 3.000 lojas só em 2021.
"Depois de mais de um ano vivendo na pandemia, os americanos têm uma nova percepção do que é conveniência. Para muitos, é uma experiência de compra sem contato e sem esperar na fila", disse Raghu Mahadevan, vice-presidente da 7-Eleven, ao anunciar uma ampliação do serviço, chamado de Mobile Checkout.
Já a Apple testa um modelo de pagamento por celular usando o chamado app clip.
Desde agosto de 2021, em algumas lojas da marca, como na da Quinta Avenida, em Nova York, pode-se escanear um código que faz o celular baixar um pequeno aplicativo. O programa some após a compra ser concluída e não demanda um novo cadastro, pois usa os dados salvos no Apple Pay. Basta escanear os produtos usando a câmera do celular, confirmar a compra no próprio aparelho e ir embora.
Inicialmente o modelo só era válido para a compra de acessórios, como capinhas.
Nos restaurantes americanos, as grandes redes de fast food possuem apps que permitem fazer o pedido de forma antecipada e pagar por ele. Ao chegar na loja, basta retirar o item, como faria um entregador de delivery. Para estimular o uso desse modelo, redes como Starbucks e McDonald’s oferecem descontos e itens grátis, geralmente após somar pontos.
TECNOLOGIA AVANÇA COM FALTA DE TRABALHADORESO avanço da tecnologia de pagamento sem a necessidade de um caixa ocorre ao mesmo tempo em que o comércio dos EUA é um dos setores mais afetados pela "great resignation" (grande renúncia), uma onda de pedidos de demissão de trabalhadores surgida em meio à pandemia.
Em janeiro, 4,3 milhões de pessoas se demitiram no país, mantendo a média mensal registrada em 2021, segundo dados do Departamento de Estatísticas do Trabalho.
Assim, a falta de funcionários interessados segue sendo um problema. O desemprego no país fechou fevereiro em 3,8%%. É comum ver, lado a lado nas lojas, cartazes anunciando vagas e que estimulam os clientes a pagar via aplicativo, sem acionar ninguém.
"A adoção destas tecnologias reduz custos operacionais por gerar uma redução de funcionários destinados ao atendimento, diminuir o tempo de fila de espera e melhorar a experiência de compra. Mas é preciso capacitar e tentar direcionar os empregados a novas funções. Isso gera preocupação em um país como o Brasil, pois temos mais de 12 milhões de desempregados e faltam políticas públicas", diz Kelly Carvalho, assessora econômica da Fecomércio-SP.
"Durante a pandemia, muitos vendedores de lojas físicas se tornaram consultores de venda online, atenderam clientes por WhatsApp. Há uma mudança no papel do vendedor, do atendente, que passa a ter um papel mais ativo de melhorar a experiência do frequentador", aponta.
Carvalho explica que o avanço dos pagamentos digitais faz parte da estratégia das lojas de unificar as operações de venda física e digital. Tanto Amazon quanto Walmart trabalham para ampliar as vendas por delivery, e é comum ver funcionários enchendo sacolas de compras feitas via internet, ao lado dos clientes que começam a se acostumar a sair sem pagar.
Fonte: Folha Online - 09/04/2022
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