Falta de luz, internet e computador impede que 7 milhões façam trabalho remoto
Publicado em 19/10/2021 , por Érica Fraga
Infraestrutura precária limita potencial de emprego a distância a 17,8% da mão de obra
Mais de 7 milhões de brasileiros têm empregos que poderiam ser realizados virtualmente, mas, por falta de uma infraestrutura mínima em suas casas, não conseguem trabalhar de forma remota.
Esse contingente representa 7,8% da população ocupada (dados de 2019). São trabalhadores em áreas como pesquisa, administração, tecnologia e magistério que não contam com serviços como acesso contínuo a energia elétrica e internet em suas residências e, muitas vezes, não têm um computador.
A existência de uma parcela tão significativa da mão de obra brasileira nessa situação faz com que o potencial de trabalho remoto do Brasil seja de apenas 17,8%.
Esse percentual —estimado em um estudo inédito dos economistas Fernando de Holanda Barbosa Filho, Fernando Veloso e Paulo Peruchetti, do FGV Ibre— é menos do que a metade dos 37% estimados para os Estados Unidos.
O número americano foi calculado pelos pesquisadores Jonathan Dingel e Brent Neiman devido à maior curiosidade sobre esse tema na esteira do isolamento social imposto pela Covid-19.
O aumento da aceitação do trabalho remoto por parte dos empregadores foi visto como um efeito colateral positivo em meio aos muitos impactos desastrosos da pandemia.
Além da possibilidade de trazer ganhos de qualidade de vida para os funcionários, o teletrabalho permite às empresas cortar custos, reduzindo, potencialmente, o risco de demissões em meio a crises como a atual.
Interessados nessas questões, Dingel e Neiman desenvolveram, logo no início da pandemia, uma metodologia para mensurar o potencial de trabalho remoto nos EUA, com base na estrutura de ocupações da economia do país.
Eles concluíram que mais de um terço dos trabalhadores norte-americanos tinham empregos que poderiam ser feitos de suas residências.
Ainda em 2020, a metodologia foi adaptada por vários economistas para estimar o potencial de teletrabalho em outros países, incluindo o Brasil.
Os próprios Dingel e Neiman usaram dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho) para calcular o número para diferentes nações.
Segundo eles, em países ricos, como Suécia e Reino Unido, mais de 40% da população ocupada teria a possibilidade de trabalhar a distância. Já, no Brasil, esse número era um pouco superior a 25% da mão de obra, enquanto, no México e na Turquia, ficava abaixo desse nível.
Uma segunda leva de pesquisas aprimorou a metodologia de Dingel e Neiman, adaptando-a à realidade da estrutura ocupacional de cada nação.
PAÍSES EMERGENTES TÊM MENOS POTENCIAL DE TELETRABALHO
Os números encontrados variaram um pouco, mas esses estudos confirmaram a conclusão de que os países desenvolvidos —onde o uso de tecnologia é muito mais disseminado— oferecem mais oportunidades de trabalho remoto.
Uma dessas novas pesquisas foi feita, em meados do ano passado, por pesquisadores do Ipea, a partir do código de ocupações usado pelo IBGE na Pnad (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios) Contínua. O resultado apontou para um potencial de teletrabalho equivalente a 22,7% da população ocupada no país.
Agora, o estudo dos economistas do FGV Ibre dá mais alguns passos nessa linha de investigação, com base em dados da Pnad Contínua e da Pnad Covid.
Barbosa Filho, Veloso e Peruchetti também fizeram uma espécie de conversão da metodologia de Dingel e Neiman, adaptando a análise das ocupações que podem e não podem ser realizadas remotamente para a realidade brasileira.
“Por causa das diferenças de tecnologia, esse conceito do que pode ou não ser feito remotamente muda de um país para o outro”, diz Veloso.
O primeiro número a que eles chegaram foi o do potencial de trabalho remoto do Brasil: 25,5%, nível próximo ao encontrado pelos próprios Dingel e Neiman e acima do calculado pelo Ipea.
Mas o interesse maior dos pesquisadores da FGV era ir além dessa conta e fazer uma estimativa que também considerasse as conhecidas limitações de infraestrutura do Brasil.
Eles identificaram, então, a parcela de trabalhadores em posições compatíveis com o teletrabalho —como professores e assistentes administrativos—, mas sem as ferramentas que viabilizam sua realização.
Para mensurar essa restrição, se basearam nas perguntas da pesquisa domiciliar referentes ao acesso da residência ao fornecimento contínuo de energia elétrica, a uma conexão com a internet e à posse de, pelo menos, um microcomputador.
A ausência de um ou mais desses quesitos foi considerada pelos economistas como impedimento ao trabalho remoto.
“Quando fazemos esse ajuste pela infraestrutura mínima, notamos uma queda de quase um terço no potencial de trabalho remoto do país. É uma redução muito expressiva”, diz Veloso.
Barbosa Filho ressalta que essa perda limita os ganhos de eficiência e a capacidade de geração de novos empregos no país.
CENÁRIO PODE SER PIOR
Os pesquisadores da FGV alertam, ainda, que o cenário brasileiro pode ser ainda pior.
Isso porque um outro cálculo que fizeram, com base nos números da Pnad Covid, mostra que o pico da população empregada trabalhando remotamente no país foi de 10%, entre maio e junho de 2020. Ou seja, um percentual muito inferior ao potencial de 17,8% estimado pelos economistas.
“Uma hipótese que pode ajudar a explicar essa diferença é que a infraestrutura mínima que consideramos nem sempre seja suficiente para a efetivação do trabalho remoto”, diz Barbosa Filho.
Isso pode ocorrer em casos nos quais, para que um serviço seja prestado, os dois lados precisem de luz, internet e computador, mas apenas um deles o possua.
“Na pandemia, vimos muitos casos em que os professores não conseguiam dar aula porque seus alunos não tinham acesso a condições mínimas para se conectar”, afirma Peruchetti.
Veloso acrescenta que alguns trabalhadores podem contar com uma infraestrutura mínima, mas sem a qualidade necessária.
“A conexão da internet pode, por exemplo, ser um problema”, diz o economista.
Somados, esses fatores podem reduzir o potencial de trabalho remoto real do Brasil a um patamar mais próximo aos 10% registrados no pico do isolamento social.
“São números muito baixos. Quando começamos a pesquisa, achava que seriam muito maiores”, diz Barbosa Filho.
Para os economistas, os resultados reforçam a urgência de políticas para aumentar a eficiência da economia brasileira e atacar as deficiências de infraestrutura do país.
Fonte: Folha Online - 17/10/2021
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