Maior litigante individual do país, Bottura é investigado por golpe em viúva
Publicado em 24/06/2021
A dona de casa Maria Matuzenetz perdeu seu companheiro Plínio Zurdo Martinez em 19 de outubro de 2018. Foram 25 anos de convivência plena. Sozinha, teve que se ver com o inventário do ex-companheiro, que deixara um patrimônio vultoso a ser partilhado entre ela e as duas filhas do primeiro relacionamento de Martinez. Sem conhecimento jurídico e beneficiária de um plano de previdência privada no valor aproximado de R$ 7 milhões, a viúva desabafou com a psicóloga que a atendia havia 18 anos sobre como se conduzir na partilha.
A psicóloga era Maria Alice Auricchio Bottura, que recomendou seu filho, o empresário Luiz Eduardo Auricchio Bottura, alegando ser capacitado para a tarefa. Ele, garantiu a psicóloga, cuidaria bem do patrimônio e não permitiria que ela fosse passada para trás. Com a confiança que só é criada após tantos anos em uma sala de sessões de terapia, Maria depositou sua esperança e suas economias, cegamente, nas mãos de Luiz Eduardo Auricchio Bottura.
Quase três anos depois, prestes a completar 59 anos, Maria Matuzenetz vende potes de mel para sobreviver e não tem notícia do patrimônio deixado por seu ex-companheiro. Orientada por Bottura, ela transferiu o dinheiro para uma conta no Uruguai e abriu uma holding naquele país, supostamente para se proteger do inventário que tramitava na Justiça brasileira. A partir daí, a viúva nunca mais viu um tostão do dinheiro, que foi parar — graças a documentos que a viúva garante jamais ter assinado — na conta de uma empresa administrada por Raquel Fernanda de Oliveira, mulher de Luiz Eduardo Auricchio Bottura. Além do dinheiro, Maria também pode perder os direitos hereditários do inventário para o casal Bottura.
A história está em dois relatórios feitos pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e pelo Ministério Público Federal em São Paulo (MPF-SP). Ambos anexados ao inquérito policial que investiga o golpe de que Maria foi vítima. No documento do MP-SP, datado de junho de 2020, a promotora de Justiça Solange Aparecida Sibinel determina a remessa dos autos para a Justiça Federal, por entender que o caso se encaixa no crime de "efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do país", previsto no artigo 22 da Lei 7.492/1986, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional.
Na Justiça Federal, contudo, também há divergência sobre a classificação dos crimes e, em consequência, do foro correto para apurá-los. Em despacho de 11 de março passado, o procurador da República Daniel de Resende Salgado recebeu o inquérito e o distribuiu à Polícia Federal, para a continuidade das investigações. Em seu relatório, a Polícia Federal opina pela devolução do inquérito para a Justiça Estadual.
De acordo com a PF, não houve remessa ilegal de dinheiro para o exterior, tampouco evasão de divisas. Logo, não haveria crime contra o sistema financeiro a ser apurado. "Registre-se que na notitia criminis formulada perante a Polícia Civil, por meio de advogado, a noticiante reputou aos envolvidos, corretamente, a suposta prática dos delitos previstos nos arts. 155, 288 e 171, todos do Código Penal", anotou o delegado da PF no relatório, do qual consta trecho do boletim de ocorrência da viúva contra Bottura (clique aqui para ler). Os artigos citados pelo delegado correspondem, respectivamente, aos crimes de furto, associação criminosa e estelionato, todos de competência da Justiça Estadual e cujas penas, somadas sem circunstâncias agravantes, podem chegar a 12 anos de prisão. O relatório data de 25 de março de 2021, mesmo dia em que foi aberta vista para manifestação do MPF em São Paulo.
Três meses depois, não há notícia de novo andamento do processo. A reportagem da ConJur consultou o MPF-SP por meio de sua assessoria de imprensa, mas não obteve informações porque a apuração corre sob sigilo. Enquanto não se define o foro para que a investigação prossiga, Maria Matuzenetz segue vendendo potes de mel e cada vez mais longe de reaver seu patrimônio.
Folha corrida
Se antes de ser convencida pela psicóloga e entregar seu patrimônio nas mãos de Bottura Maria tivesse ido ao Google, talvez não estivesse na situação em que se encontra hoje. Luiz Eduardo Auricchio Bottura é o exemplo mais bem acabado de um litigante profissional. Recente reportagemlevada ao ar pelo Jornal da Band, por exemplo, o descreve como "um empresário suspeito de usar brechas na Justiça para aplicar golpes que está fazendo fortuna".
O jornal televisivo lembra alguns golpes de Bottura, sua lista de mais de três mil processos judiciais e traz o caso de Maria Matuzenetz como um entre vários exemplos de pessoas lesadas por ele. Consta do relato da reportagem: "no início dos anos 2000, Bottura fez fortuna dando golpes via internet. Suas empresas de comércio online lideraram o ranking de reclamações no Procon. A partir de 2007, ele iniciou uma espécie de fábrica de processos, com mais de três mil ações, em que alega ter direito a mais de R$ 200 milhões. Para tornar as ações mais lentas, ele costuma processar juízes, promotores, peritos e testemunhas, o que acaba impedindo que eles continuem no julgamento".
Bottura já foi condenado mais de 200 vezes por litigância de má-fé. São tantas as ações ineptas que a Justiça brasileira já formou até mesmo uma jurisprudência exclusiva sobre ele. Recentemente, o pai de Luiz Eduardo Bottura também foi condenado em ação por litigância de má-fé. Os desembargadores da 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo julgaram que houve manifesto abuso do direito de ação de Luiz Célio Bottura diante da absurda quantidade de documentos acostados aos autos, em especial alguns que não guardavam pertinência alguma com o caso que estava em análise, bem como outros juntados ao processo de maneira repetitiva.
Reconheceu-se, assim, exatamente a forma de atuar do empresário no processo movido por seu pai contra a Associação de Vítimas de Eduardo Bottura (grupo que auxilia as pessoas processadas por ele) pela criação de um panfleto contra a família. A ação foi julgada improcedente em primeiro grau, com a condenação de Luiz Célio por litigância de má-fé. Ele foi sentenciado ao pagamento de multa de 10% do valor da causa. O recurso ao TJ-SP foi negado por unanimidade.
Segundo o desembargador Rogério Murillo Pereira Cimino, nas razões da apelação, cujas páginas, somadas, totalizam 479 folhas, extrai-se apenas uma única que tenta impugnar a sentença. O restante, conforme o desembargador, é repetição do que já foi aduzido perante o juízo monocrático, além de uma série de sentenças e acórdãos de processos dos quais terceiros, na maior parte delas, seu filho, foram partes.
No mês passado, a empresa SPPatrim, que tem como sócio o pai de Luiz Eduardo, Célio Bottura —, e como administradora judicial a mulher de Eduardo, Raquel Fernanda de Oliveira —, sofreu outro revés no Tribunal de Justiça de São Paulo. A 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ paulista anulou sentença e ordenou a produção de provas para avaliar se árbitros do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil Canadá (CAM-CCBC) favoreceram indevidamente o empresário em uma disputa societária.
Os desembargadores firmaram o entendimento de que árbitros que agem com dolo ou fraude podem responder por ação indenizatória. O próprio Luiz Eduardo Auricchio Bottura já foi declarado controlador de fato da empresa SPPatrim (processo 2163750-23.2018.8.26.0000, Des. Carlos Alberto de Salles, 3ª Câm. de Dir. Privado do TJ-SP), o que significa que a empresa juridicamente representada por sua mulher age, segundo a Justiça, sob orientação de Luiz Eduardo Bottura.
Nos mais recentes episódios, Luiz Eduardo Auricchio Bottura, em nome próprio ou de terceiros, se vale de documentos forjados, falsos, construídos, por vezes, com participação de agentes públicos, como acusa o MP, em denúncia oferecida contra ele, seu advogado e um escrivão de polícia (Ação Penal 1516672-58.2020.8.26.0050).
O advogado foi denunciado por falsidade ideológica, desacato e coação no curso do processo (artigos 299, caput, 331 e 344, todos do Código Penal); o escrivão, por falsidade ideológica (art. 299, parágrafo único, do Código Penal); e Luiz Eduardo Auricchio Bottura, por uso de documento falso e falsidade ideológica (artigos 304 e 299, ambos também do Código Penal). A denúncia foi recebida pela 21ª Vara Criminal do Fórum Central Criminal Barra Funda.
Fonte: Conjur - Consultor Jurídico - 22/06/2021
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