Uma 'garfada' no bolso do contribuinte
Publicado em 17/08/2020 , por MARTHA IMENES
Nota técnica da Unafisco Nacional aponta que fim da dedução com saúde no IR vai prejudicar quem recebe de 3 a 30 salários mínimos
A Reforma Tributária do governo Bolsonaro, além de querer trazer de volta a CPMF, vai pesar ainda mais no bolso do trabalhador ao acabar com a dedução dos gastos com saúde do Imposto de Renda da Pessoa Física. O alerta consta em nota técnica da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional). A reforma, segundo o estudo, vai prejudicar, principalmente, os contribuintes com rendimento entre três e 30 salários mínimos e que são submetidos à alíquota progressiva do IR. Ou seja, quem ganha de R$ 3.135 a R$ 31.350.
Dos 31,25 milhões que declararam IR do exercício de 2019, 21,46 milhões estão nessa faixa de rendimento e representaram 79,85% do total das despesas médicas deduzidas, que somaram R$97,39 bilhões no período.
O governo Bolsonaro avalia que a dedução de despesas médicas é um benefício e contribui para a regressividade do sistema tributário. Mas, segundo o estudo da Unafisco, o que ocorre é o contrário: a extinção da dedução vai na contramão da justiça fiscal pois a medida acarretaria aumento na carga tributária de contribuintes, em sua maioria da classe média, que já arcam com tributação progressiva sobre a renda.
O estudo conclui ainda que as deduções de despesas médicas no IRPF não podem ser consideradas privilégio tributário. É um gasto indireto do governo federal na área da Saúde, favorecendo todos os contribuintes pessoa física que efetuarem alguma despesa médica, nos termos da legislação aplicável, de modo a efetivar a determinação dos Artigos 6º e 196, da Constituição.
O professor Emerson Lemes, que também é tesoureiro do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) e contador-perito, chama atenção para o fim da dedução sem contrapartida do governo. "O que se precisa verificar é qual a contrapartida disso. Apenas tirar gastos com Saúde e não dar nada em troca é terrível", avalia. "A redução de impostos seria uma contrapartida", dá a dica.
Dados rebatem argumento do governo
Segundo o Os dados apresentados pela Unafisco rebatem o argumento do governo de que essa dedução é um privilégio que contribui para a regressividade do sistema tributário e que, portanto, deveria ser revista. “O governo quer resolver o problema de distribuição de renda com a limitação ou fim da dedução”, explicou Mauro Silva, presidente da Unafisco Nacional. Ainda segundo ele, a revisão da dedução acarretaria em aumento na carga tributária de contribuintes que já arcam com tributação progressiva sobre a renda.
A nota técnica traz a estimativa de R$ 16,05 bilhões de impacto fiscal das deduções dos gastos com saúde no ano-calendário de 2019 (declarações recebidas durante 2020). Ainda conforme estimativas da Unafisco, com a queda do Produto Interno Bruto (PIB), projetada em 6,48% pelo Banco Central (BC) devido à pandemia, a renúncia fiscal deverá ser de R$ 15 bilhões neste ano, o que será apresentado nas declarações de IRPF de 2021. Considerando a peça orçamentária de 2020, esse impacto representaria cerca de 12% do orçamento do Ministério da Saúde.
No mesmo bojo quem ganha de 5 a 320 salários mínimos
Para fazer a nota técnica, a entidade dividiu os contribuintes por faixa de salário mínimo mensal para evitar distorções no perfil dos contribuintes que mais utilizam as deduções. Além disso, considerou a alíquota efetiva de imposto sobre a renda incidente sobre cada uma das faixas de renda.
O presidente da Unafisco Nacional explicou ainda que não é adequado classificar as contribuições por faixa de renda de acordo com as bases de cálculo constantes na tabela anual progressiva do IRPF, como faz o governo para dizer que o benefício é um privilégio. Isso porque essa regra abarca, em uma mesma faixa, contribuintes com renda mensal de 5 salários até aqueles com renda que ultrapassa 320 salários mínimos mensais.
Por isso, na avaliação da Unafisco, qualquer medida que vise alterar a dedução desses gastos deverá levar em conta o perfil dos contribuintes que serão atingidos, “visto que aqueles que detêm maior capacidade econômica ainda estarão contemplados com políticas tributárias que lhes são demasiadamente mais vantajosas do que as deduções de despesa médica no imposto sobre a renda”, citando como exemplo a isenção dos dividendos distribuídos por pessoa jurídica à pessoa física.
A entidade destacou que, apesar de ter suas estimativas projetadas no Demonstrativo de Gastos Tributários (DGT), as deduções de despesas médicas no IRPF não podem ser consideradas como privilégio tributário. “Trata-se de gasto indireto do governo federal na área da saúde, favorecendo todos os contribuintes pessoa física que efetuarem alguma despesa médica, nos termos da legislação aplicável", finalizou.
Desoneração da folha fica para depois
Um outro ponto que deve ser apresentado pelo governo na Reforma Tributária é a desoneração da folha de pagamentos, defendida pelo senador Major Olímpio (PSL-SP) na edição do último domingo do jornal O DIA. Mas pelo visto, esse pleito vai demorar para ser atendido. O subsecretário de Tributação e Contencioso da Receita Federal, Sandro Serpa, disse na quinta-feira que a questão da desoneração da folha de pagamentos está sendo debatida pela equipe econômica, mas que não há ainda uma proposta fechada sobre o tema, nem sobre a alíquota do novo imposto sobre transações digitais que está sendo considerado para compensar a desoneração da folha.
"O ministro (da Economia, Paulo Guedes) identifica o problema de tributar a folha, mas o problema é financiar", disse, em live sobre Reforma Tributária organizada pelo BTG Pactual, reconhecendo o argumento que a contribuição patronal sobre a folha dificulta a geração de empregos formais.
Em algumas manifestações, Guedes deu indicações de que a alíquota seria pequena, de 0,2%, mas sem detalhar. O ex-secretário da Receita Marcos Cintra, demitido por defender o imposto similar à antiga CPMF, calcula que um tributo de 0,33% sobre todas as transações financeiras seria suficiente para zerar a contribuição patronal do INSS. A proposta em estudo pelo governo quer desonerar integralmente as contribuições para o salário mínimo e diminuir de 20% para 15% sobre as outras faixas salariais.
O subsecretário também disse que não tem informação se as outras fases da proposta de Reforma Tributária do governo serão enviadas em fatias ou juntas. Segundo ele, essa é uma decisão política. Serpa também defendeu que o governo está enfrentando o debate da reforma tributária, acabando com mais de cem regimes diferenciados e mostrando os cálculos de sua proposta.
Fonte: O Dia Online - 15/08/2020
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