STJ vai definir regras para ex-funcionário permanecer no plano de saúde da empresa
Publicado em 05/02/2020 , por Alexandre Boccaletti Fernandes
Berço da saúde suplementar, os planos coletivos empresariais são uma conquista dos trabalhadores e um dos maiores benefícios concedidos pelos empregadores. Grande parte oferece esse benefício como forma de reter talentos e melhorar a competitividade.
Com a entrada em vigor da Lei Federal 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde — LPS) e logo após a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por meio da Lei Federal 9.961/2000, o segmento da saúde suplementar começou a ter maior amadurecimento, algo necessário para o desenvolvimento do setor que tem relevante impacto na economia do país.
Embora ainda recente — temos pouco mais de 20 anos de lei especial, diversos são os debates em torno do texto legal e das regulamentações editadas pela ANS. Para essa opinião abordarei o Tema 1.034 do Superior Tribunal de Justiça que analisará pelo rito dos recursos repetitivos os recursos especiais 1.818.487, 1.816.482 e 1.829.862, para firmar tese no sentido de “definir quais condições assistenciais e de custeio de plano de saúde devem ser mantidas a beneficiários inativos, nos termos do artigo 31 da Lei 9.656/1998”.
Ao afetar o tema o STJ propôs a análise de dois fatores: (a) custeio do plano por parte do ex-empregado e (b) condições assistenciais de cobertura.
Nos votos para justificar a afetação, o ministro Antonio Carlos Ferreira destacou que “condições dizem respeito (i) ao tempo de permanência no plano, se por prazo determinado ou indeterminado; (ii) aos direitos assistenciais do ex-empregado e seus dependentes; (iii) aos encargos financeiros que serão suportados pelo ex-empregado”.
Tempo de permanência no plano de saúde
De forma objetiva, o texto da lei é claro ao afirmar que somente terá direito a permanecer na condição de inativo por prazo indeterminado — enquanto houver relação contratual entre o ex-empregador e a empresa operadora de saúde — aquele empregado que contribuiu por prazo mínimo de dez anos para o seu plano de saúde.
Embora omissa quanto à possibilidade de contribuição contínua ou não, entendo que deve ser computado para esse prazo mínimo de dez anos todo o período de contribuição.
Não deve ser interrompida a contagem desse prazo mínimo em decorrência de eventuais suspensões de contribuição por parte do ex-empregado, iniciando novo prazo a partir da nova contribuição.
De outra sorte, se o ex-empregado contribuiu por prazo menor do que os dez anos, este poderá se beneficiar à razão pelo tempo que contribuiu, inclusive quanto ao período incompleto de ano.
Vale lembrar que a coparticipação, franquia, valores pagos por dependentes ou agregados não são considerados como contribuição, conforme o artigo 30 parágrafo 6º da Lei de Planos de Saúde, o artigo 2º II da Resolução Normativa 279 da ANS e tese firmada pelo STJ no Tema 989.
Condições assistenciais de cobertura
Diante das últimas decisões do STJ[1] voltadas para a saúde suplementar, é possível afirmar que o tribunal referenciará mais uma vez a Resolução Normativa 279/2011 da ANS.
Tal norma regulamentou os artigos 30 e 31 da LPS e revogou as Resoluções do CONSU 20 e 21, trazendo conceitos minuciosos sobre os direitos dos beneficiários demitidos sem justa causa ou aposentados que contribuíram para o plano de saúde fornecido pelo seu ex-empregador.
Definiu o órgão regulador que a manutenção do ex-empregado que tem o direito concedido pelos artigos 30 ou 31 da LPS nas “mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho” quer dizer que ele terá a mesma segmentação e cobertura, rede assistencial, padrão de acomodação em internação, área geográfica de abrangência e fator moderador, se houver, dos beneficiários da ativa do seu ex-empregador.
a) Mesma segmentação e cobertura
Previstas no artigo 12, incisos I a IV, da LPS, é direito do ex-empregado que contribuiu para o plano quando ativo ser mantido com a mesma segmentação enquanto vigente o seu contrato de trabalho (ambulatorial, hospitalar com ou sem obstetrícia e odontológico).
Embora omissa a regulação sobre a possibilidade de upgrade ou downgrade no tipo de segmentação, entendo como possível caso seja opção do consumidor que foi desligado da empresa contratante e desde que previsto no contrato firmado pelo seu ex-empregador.
Já em relação à cobertura contratada, entendo ser mais simples, sem margem para discussão, pois acompanhará as limitações trazidas pelo rol da ANS e o contrato, como reforçado pelo STJ no julgamento do REsp 1.733.013.
b) Rede assistencial e padrão de acomodação
Interpretando o texto da lei, a rede assistencial do plano de saúde do ex-empregado deve ser a mesma que o beneficiou durante o seu vínculo trabalhista com a empresa contratante, podendo, no entanto, sofrer alterações desde que as mesmas sejam realizadas também para o plano dos empregados da contratante.
Hospitais, clínicas, laboratórios e profissionais que faziam parte do plano quando o consumidor era empregado da empresa contratante devem, obrigatoriamente, ser mantidos no novo plano após o seu desligamento.
O mesmo entendimento deve ser aplicado quanto ao padrão de acomodação no caso de internação — enfermaria ou quarto particular. Qualquer diferenciação nesse contexto pode ir de encontro ao conceito de “mesma condição de cobertura”, o que certamente não será admitido pelo STJ ao firmar a tese.
c) Área geográfica de cobertura e fator de moderação
A área geográfica é aquela onde o plano de saúde garante as coberturas contratadas pela empresa empregadora, podendo ser classificada da seguinte forma: municipal; grupo de municípios; estadual; grupo de estados; nacional.
Isso quer dizer que nesta área contratada pelo empregador a operadora de plano de saúde tem rede assistencial credenciada para garantir todos os atendimentos necessários aos empregados e ex-empregados, nos termos e nos prazos previstos na Resolução Normativa 259/2011 da ANS.
Caso a operadora, por algum motivo, não tenha disponível determinado prestador na rede credenciada dentro da limitação geográfica contratada — no município, por exemplo — ou dentro do limite máximo de tempo previsto naquela resolução, deve ela disponibilizar a cobertura por prestador não pertencente à rede no mesmo município ou limítrofe.
Na hipótese de a operadora não conseguir essa disponibilização excepcional, deverá ela garantir o transporte do beneficiário até um prestador apto para realizar o atendimento fora da abrangência geográfica do contrato, assim como o seu retorno à localidade de origem.
d) Fator de moderação
Os fatores de moderação dos planos de saúde dividem-se em coparticipação (valor pago diretamente à operadora de plano de saúde diante de utilização) e franquia (valor pago diretamente ao prestador de serviço).
São eles uma excelente forma de mitigar a utilização desenfreada e desnecessária por parte dos beneficiários, visando manter adequado o equilíbrio econômico-financeiro do contrato coletivo empresarial e a própria sustentabilidade do contrato e do segmento.
Com previsão na Lei 9.656/98, grande parte das empresas contratantes de planos de saúde utilizam esse mecanismo com a intenção de baratear a contratação e para educar os seus colaboradores para que façam o uso racional e sustentável do benefício concedido.
O novo produto do ex-empregado deve seguir o raciocínio do item anterior. Se existia a coparticipação ou a franquia durante o vínculo de emprego deve ela seguir no novo plano quando do seu desligamento.
Custeio do plano
Recentemente o STJ firmou posicionamento sobre a necessidade de contribuição por parte do empregado através do rito dos recursos repetitivos com o Tema 989, cuja tese é: “nos planos de saúde coletivos custeados exclusivamente pelo empregador não há direito de permanência do ex-empregado aposentado ou demitido sem justa causa como beneficiário, salvo disposição contrária expressa prevista em contrato ou em acordo/convenção coletiva de trabalho, não caracterizando contribuição o pagamento apenas de coparticipação, tampouco se enquadrando como salário indireto”.
Para a presente análise, o “encargo financeiro” destacado pelo ministro relator para o tema diz respeito ao valor que será assumido pelo ex-empregado para a manutenção do seu plano — que abrange também eventual fator de moderação.
Embora não identifique dúvida no texto da parte final dos artigos 30 e 31 da LPS (“desde que assuma o seu pagamento integral”), há debate em diversos processos judiciais envolvendo a interpretação da expressão pagamento integral.
Para determinada corrente, pagamento integral significa apenas aquele valor já assumido pelo empregado quando da manutenção do vínculo de trabalho com o ex-empregador. Essa é a minoritária, da qual não faço parte.
Outra, que tem mais força e deve ser seguida na análise da questão por parte do STJ, entende que esse valor é aquele contratado pelo empregador para cada faixa etária. Ou seja, se o produto X na faixa etária Y custa R$ 100 para a empresa contratante e o seu empregado contribuiu com R$ 30, quando do seu desligamento, deverá ele assumir o pagamento do valor contratado (R$ 100). Essa deve ser a correta interpretação do texto legal.
Mesmo assumindo o valor integral da contratação, certamente o ex-empregado pagará preço menor do que o comercializado pela operadora de plano de saúde no segmento individual/familiar para o mesmo produto, tendo em vista a maior precisão do cálculo atuarial da massa de beneficiários daquele contrato e a possibilidade de adequação de eventual desequilíbrio financeiro no reajuste anual, que é negociado entre as partes contratantes sem intervenção da ANS.
Considerações finais
Por fim, é de se destacar que a ministra Nancy Andrighi votou contra a afetação do tema e trouxe importantes reflexões, principalmente quanto à ausência de uniformidade de entendimentos por parte do próprio STJ.
Sublinhou a ministra que importantes conceitos para a solução jurídica do assunto foram deixados de fora da tese firmada para a afetação, como, por exemplo, a possibilidade de planos distintos para empregados e ex-empregados.
Comungo em parte com as ponderações aprestadas naquele voto. No meu sentir, a matéria é relevante e está madura para apreciação através do rito dos recursos repetitivos, devendo, no entanto, a delimitação da controvérsia ser mais abrangente e específica.
Deveria constar da ementa da controvérsia, por exemplo: obrigatoriedade ou não de plano uno para empregados e ex-empregados; se há direito adquirido à forma de custeio; o conceito de admissão do beneficiário em novo emprego que possa encerrar o benefício garantido por lei; apreciação, também, das regras do artigo 30 da LPS.
Não me surpreenderá caso ocorra algo semelhante ao debate envolvendo a legalidade do reajuste por faixa etária acima de 59 anos de idade nos contratos individuais/familiares, onde a tese firmada no Tema 952 não pôs fim às controvérsias sobre o assunto, obrigando o STJ afetar novos recursos para apreciar o mesmo assunto de forma mais lapidada, agora, nos contratos coletivos (Tema 1.016).
É importante que todos os envolvidos nessa discussão promovam esclarecimentos e subsidiem os magistrados com argumentos e técnicas que possam aclarar a especificidade desse setor, com o viés único de perseguir a sustentabilidade em prol de toda a saciedade e do país.
* JurisHealth é um esforço articulado entre profissionais da Saúde, do Direito e da Comunicação, com o objetivo de melhorar a compreensão em torno de temas relevantes do setor de saúde. É uma iniciativa que visa fornecer referências técnicas e analíticas a respeito do sistema de saúde suplementar do Brasil e, assim, prover elementos consistentes para avaliar controvérsias levadas aos tribunais. Saiba mais em http://www.jurishealth.com.br
[1] Veja as seguintes decisões referenciando a lei e as resoluções da ANS:
REsp 1.733.013 — o rol da ANS é taxativo;
REsp 1.736.898 — os direitos concedidos pelos artigos 30 e 31 da Lei 9.656/98 não subsistem após o cancelamento do plano de saúde pelo empregador que concedia o benefício aos seus empregados ativos e ex-empregados.
Fonte: Conjur - Consultor Jurídico - 04/02/2020
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