Bolsa brasileira ainda está longe de uma bolha, dizem economistas
Publicado em 03/02/2020 , por Júlia Moura
Pequeno investidor sustenta valorização e maior número de negócios, mas não distorce preços
SÃO PAULO
Em menos de quatro anos, a Bolsa brasileira praticamente dobrou de tamanho e se aproximou dos 120 mil pontos, isso enquanto a economia do país patinava e insistia em crescer modestos 1% ao ano. No mesmo período, o número de pequenos investidores com ações cresceu 200%, mesmo com o desemprego em taxas ainda elevadas, limitando a capacidade de poupança dos brasileiros.
Esses dados eram conhecidos pelo mercado. Mas, na semana passada, um dos mais respeitados gestores de fundos do país, Luis Stuhlberger, da Verde Asset Management, afirmou que há um “efeito bolha na Bolsa”.
Foi seguido pelo presidente do Santander, Sérgio Rial: “Não existe capitalismo sem capital na mão de brasileiros, mas é preciso mudar a educação para pessoas terem noção de risco e não criarmos bolhas.”
Eles ficaram, porém, praticamente sozinhos no lado pessimista do debate. Economistas e gestores ouvidos pela Folha ao longo da semana discordaram de que haja uma bolha no mercado, ainda que alertem para a dificuldade de vê-la antes que estoure.
Na definição clássica, a bolha acontece quando um ativo, ou um conjunto de ativos, estão com um preço muito elevado, descolado do que seria seu valor real, o que geralmente acontece após longos períodos de valorização.
A ida dos “órfãos do CDI”, como Stuhlberger chamou os investidores de renda fixa brasileiros, para o mercado de ações estaria inflando as cotações. De 2018 a 2019, o número de pessoas físicas na Bolsa alcançou 1,7 milhão. Como os papéis disponíveis no mercado não cresceram na mesma proporção, o preço se eleva.
A preocupação está no efeito manada: brasileiros estão acostumados a investir em renda fixa, as oscilações do mercado, sujeito ao humor de investidores e fatores externos, podem afugentá-los por completo, o que causaria uma enorme pressão de venda, derrubando cotações.
Esse movimento foi visto há pouco mais de uma década: em 2007, com muitas aberturas de capital, brasileiros voltaram a comprar ações, mas saíram em disparada quando estourou a crise financeira de 2008.
O Brasil tem ainda uma bolha famosa, da década de 1970.
À época, o governo permitiu dedução de parte do imposto de renda devido caso o contribuinte usasse a quantia na compra de fundos de ações. Muitos foram à Bolsa, mas o mercado brasileiro tinha poucos papéis, o que levou a uma forte alta dos ativos.
Após alguns meses, as cotações chegaram a se valorizar 400%, e investidores passaram a vender para embolsar lucro, gerando um pânico no mercado. As vendas seguiram até 1973, com forte desvalorização das Bolsas, especialmente a do Rio de Janeiro, o que levou a de São Paulo ao protagonismo que exerce até hoje. O evento é visto por economistas como uma bolha especulativa, que inflou até estourar.
“Não tínhamos estrangeiros e nem fundos na Bolsa à época, e pessoas físicas eram cerca de 80% do volume”, diz José Carlos de Souza Santos, professor da FEA-USP.
Desde 2019, a participação de pessoas nas operações de compra e venda acelerou, mas ainda são minoria, correspondendo a cerca de 20% do total transacionado. O aumento, contudo, levou o volume ao nível recorde de R$ 23 bilhões na média diária.
“O movimento do mercado financeiro é de boiada, mas o movimento atual não é bolha, não estamos nem perto disso”, diz Antonio Lanzana, professor da FEA e copresidente da Fecomercio-SP.
Para George Sales, professor do Ibmec SP, o que poderia gerar um forte distúrbio no mercado é a saída de estrangeiros do Ibovespa, já que eles correspondem a quase metade do volume de negócios. Nesse caso, o aumento de brasileiros na Bolsa funciona como uma diminuição de risco.
“Mesmo subindo absurdamente o número de pessoas físicas na Bolsa, ainda são menos de 1% dos brasileiros. Temos muito espaço para crescer”, acrescenta Salles.
Ele acrescenta que a educação financeira do brasileiro está melhor do que nas outras vezes em que houve migração para a Bolsa, o que diminui o risco na participação de pessoas físicas. “Com a internet, pessoas têm mais acesso à informação, especialmente com redes sociais e canais de YouTube. Tem de tudo: picareta e gente boa, mas, no geral, esse movimento é benéfico”.
Para especialistas, o fato do Ibovespa não estar em seu valor máximo quando descontada a inflação também é um sinal de que não há bolha no mercado acionário.
“A bolha é um preço maior do que o justo, mas ninguém sabe avaliar direito o preço justo da Bolsa. Comparado com o que ao mercado acionário cresceu lá fora, ainda estamos baratos”, diz Bruno Giovannetti, professor da FGV.
Uma das métricas para se analisar o valor de uma ação é o múltiplo preço/lucro (P/L), ou seja, o preço do papel dividido pelo lucro por ação. Ele mostra quantos anos seriam necessários para o investimento em determinada ação se pagar pela distribuição anual de lucros da empresa, via dividendos, bônus ou juro sobre capital próprio.
O P/L médio de todas as 70 empresas do Ibovespa está em 18. O do S&P 500, índice das maiores empresas americanas, está em 21,3.
Para o presidente do banco central americano (Fed), Jerome Powell, o P/L das empresas listadas em Nova York “está alto, mas não no extremo” e não oferece grande risco ao sistema financeiro.
Algumas companhias brasileiras, contudo, estão com o múltiplo mais elevado. Um exemplo é a Magazine Luiza, que acumula valorização de 3.263% desde o fim de 2016.
“A própria Magazine Luiza pode ser uma bolha. Uma análise fundamentalista [dos números da companhia] não justifica seu atual valor de mercado, mas como falta papel no mercado, o investidor continua comprando”, diz Sales.
Novas ofertas de ações poderiam reduzir a pressão do mercado sobre algumas companhias, avalia.
“Ninguém sabe direito como as bolhas nascem. Pode ser que, de repente, sem motivo aparente, a Bolsa saia de 120 mil para 90 mil pontos. Aí você percebe, ‘nossa, estávamos em uma bolha!’”, diz Giovannetti.
“Uma bolha é algo que está na frente de todo mundo, mas não se enxerga. Ela é transparente, surge e estoura sem você perceber. Você só sente o respingo”, diz Sales.
Apesar de ver risco, Stuhlberger, do Verde, não mudou sua estratégia: mantém 20% de seu portfólio em ações.
Fonte: Folha Online - 03/02/2020
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