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Pagar contas do mês é a maior preocupação financeira do brasileiro, aponta pesquisa
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Pagar contas do mês é a maior preocupação financeira do brasileiro, aponta pesquisa

Publicado em 05/08/2019 , por Pedro Ladislau Leite

Dos 1,1 mil brasileiros consultados, apenas 34% apontaram que poupança para aposentadoria é prioridade; 'É muito difícil pensar no futuro quando seu presente não está garantido', diz executivo da seguradora Zurich do Brasil

Entrevista com Edson Franco, presidente da Zurich no Brasil

Quando o assunto é dinheiro, a vida depois da aposentadoria não é a maior preocupação entre os brasileiros. O que realmente tira o sono da maioria aqui são as contas de luz e gás, o aluguel e os gastos com transporte e alimentação, segundo pesquisa da seguradora Zurich, em parceria com a Universidade de Oxford, no Reino Unido

O levantamento mostra que a atenção com a aposentadoria aumenta com a idade. No Brasil, só 23% na faixa entre 20 e 29 anos afirmaram que ter dinheiro na velhice é a maior preocupação. Essa proporção é de 30% entre 30 e 39 anos, de 42% entre 40 e 54 anos e de 44% entre quem tinha 55 anos ou mais. A coleta de dados online aconteceu de fevereiro a março deste ano.

O quadro global, no entanto, é outro. A mesma pesquisa, feita com 16,9 mil pessoas de 15 países, mostra que ter uma poupança adequada para a aposentadoria é a maior preocupação para 44% dos entrevistados. Apenas 27% mencionaram em primeiro lugar o pagamento de contas.

Um fator que pode explicar a diferença entre o resultado brasileiro e o global é a menor capacidade ou possibilidade de guardar dinheiro. No mundo, três em cada cinco pessoas responderam que conseguiram poupar no ano anterior. No Brasil, apenas dois em cada cinco conseguiram fazer o mesmo, o que corresponde a uma diferença de 20 pontos porcentuais.

“É muito difícil você pensar no futuro quando o seu presente não está garantido. Mas isso pode se tornar um hábito nocivo, quando mesmo tendo uma reserva a pessoa não poupa pelo hábito de não pensar no futuro. Há uma questão de formação de cultura de poupança, mas também uma questão de capacidade de poupança”, afirma Franco. Veja a seguir os principais trechos da entrevista com o executivo.

São poucos os que se preocupam com aposentadoria no Brasil?

Não é um número pequeno se se considerar a falta de cultura de poupança de longo prazo do brasileiro. Estamos num processo de formação, foi só a partir da estabilização monetária, do controle da inflação que a gente criou condições macroeconômicas para as pessoas pensarem em fazer poupança de longo prazo. Com hiperinflação não há como se pensar em longo prazo. O Brasil é adolescente nesse aspecto. Só que o brasileiro vai perceber a importância disso rápido, porque o País está envelhecendo em ritmo muito mais acelerado do que foi com os países europeus. Toda a discussão em torno da reforma da Previdência tem como pano de fundo esse contexto demográfico. Então o número da pesquisa é até alto se a gente considerar esse contexto, mas ele ainda é insuficiente. Isso fica evidente quando a gente compara com a média global. E veja que aqui o problema da economia informal já é grande, infelizmente temos mais de 40% de economia informal, um grande contingente de pessoas desempregadas ou subempregadas e isso acelera a transformação das relações trabalhistas. Essa realidade está se impondo e, ainda que haja uma retomada do crescimento da economia, uma maior formalização de emprego, não será necessariamente o emprego formalizado nos moldes da relação trabalhista. 

A menor estabilidade no trabalho afeta a forma de poupar?

As pessoas contam com o Estado para resolver as questões de perda de renda. Essa responsabilidade entre Estado, empresa e indivíduo está mudando. A reforma da Previdência está tocando nesse ponto, ainda de uma forma incipiente, mas isso ao longo das próximas décadas vai se intensificar, especialmente por conta dessa mudança nas relações de trabalho. Ainda que a Seguridade Social preste o primeiro socorro à grande maioria das pessoas, aquelas pessoas que têm o nível de renda um pouco mais alto vão ter que tomar responsabilidade sobre os riscos em relação à renda. O envelhecimento da população, a mudança da relação de trabalho e a incapacidade do Estado de continuar provendo o mesmo nível de proteção social, especialmente para as pessoas de renda média e acima, faz com que as pessoas tenham que ter essa preocupação. Isso no Brasil ainda é muito incipiente. Até porque o brasileiro é um otimista, mas isso tem que ser combinado com um pragmatismo. 

A reforma da Previdência está contribuindo para essa discussão?

Do ponto de vista político, é a reforma possível neste momento. É uma boa reforma, é melhor do que a proposta do governo Temer em termos de economia fiscal, mas não é definitiva. Tivemos duas grandes perdas de oportunidade em relação a essa reforma paramétrica. Uma foi a não inclusão de Estados e municípios e a outra foi a retirada do gatilho demográfico, que ia fazer com que a vida útil dessa reforma fosse mais longa e ia evitar saltos de mudança no piso. Do jeito que ficou, com a tendência de envelhecimento da população, isso não vai ser mais suficiente, vamos ter que ter essa discussão de forma recorrente, a cada cinco anos essa discussão vai voltar com o mesmo nível de intensidade. Agora, além da reforma paramétrica, temos que pensar uma nova Previdência, que não impacte quem já está aposentado ou quem já está no mercado de trabalho. Defendo a proposta feita pela Fenaprevi (Federação Nacional de Previdência Privada e Vida) junto com a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), uma nova Previdência para novos trabalhadores. Só valeria para as pessoas que vão entrar no mercado de trabalho daqui a 10 anos, com um modelo que inclua o pilar de capitalização, porque sem ele é impossível criarmos uma Previdência sustentável. O modelo ideal de Previdência não é nem o modelo chileno, nem o modelo sueco. Para o Brasil, é o modelo híbrido, com preocupação em proteção social, um pilar de repartição similar ao INSS para grande maioria das pessoas. A média de salário do brasileiro hoje é de R$ 2.200 - mais ou menos 75% da população ganham abaixo disso. Essas pessoas têm que ser protegidas. O pilar de capitalização viria exatamente para aquelas pessoas que ganham salários mais altos e que gerariam essa poupança individualizada de aposentadoria para complementação da renda do INSS. Esse é o modelo que deveria ser o modelo definitivo. A sociedade estava madura para discussão da reforma paramétrica e ainda não estava madura para discussão de uma reforma estrutural. Acho que ao longo dos próximos anos vamos ter que ter essa discussão de forma mais aprofundada.

Sem aumentar a renda, é possível haver maior cultura de poupança no País?

Acho difícil. A principal preocupação financeira do brasileiro é pagar a conta do mês, isso mostra que é muito difícil você pensar no futuro quando o seu presente não está garantido. Enquanto as pessoas estão tão preocupadas em colocar comida na geladeira, é muito difícil uma pessoa se sensibilizar com o futuro. Mas isso pode se tornar um hábito nocivo, quando a pessoa tem uma reserva de poupança e, pelo hábito de não pensar no futuro, mesmo quando pode, ela não poupa. Aqui há as duas coisas: uma questão de formação de cultura de poupança de longo prazo por questões históricas e estruturais, mas também uma questão de capacidade de poupança. Enquanto não tivermos uma classe média fortalecida, a preocupação com o futuro vai ficar sempre em segundo plano. É uma pirâmide de Maslow clássica: preocupações e necessidades fisiológicas são a base da pirâmide, o segundo patamar é a proteção. O seguro de vida ou Previdência é considerado um bem de consumo superior. Então dependemos sim de aumento da renda, de melhora do nível de emprego, de aumento na capacidade de poupança da renda das pessoas, para que as pessoas possam efetivamente ter essa preocupação. Também é um desafio de comunicação e de educação financeira mais ampla.

Fonte: Estadão - 02/08/2019

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