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Lei dispensa autorização do consumidor para cadastro positivo de crédito
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Lei dispensa autorização do consumidor para cadastro positivo de crédito

Publicado em 18/06/2019 , por Joseane Suzart Lopes da Silva

A Lei Complementar 166/2019, editada em 08 de abril de 2019, dispensou a prévia autorização das pessoas físicas e/ou jurídicas para que suas informações venham a ser inseridas nos cadastros positivos de crédito. Foram revogados e modificados artigos da Lei 12.414/11[1], que disciplinou a matéria e estabelecia que qualquer anotação sobre o histórico de adimplência deveria passar pelo anterior aval do titular dos dados. Com a novel legislação, as instituições financeiras foram liberadas para o fornecimento de informações relativas a operações de crédito, ativas e passivas, e obrigações de pagamento, adimplidas ou em andamento, para que se efetive a formação de histórico dos clientes, visto que LC 105/2001, que enquadrava tal atividade como sigilosa, teve parte revogada.

O conjunto de informações sobre o modus operandido adimplemento das obrigações assumidas pelos consumidores vem sendo objeto de anotação, de consulta e de compartilhamento em diversas nações do mundo. O nosso País optou, inicialmente, por seguir o modelo europeu, adotado por meio da Diretiva Diretiva 95/46/CE, que preconiza a chancela do consumidor, para que o registro dos seus dados positivos venha a ser concretizado[2]. Nos Estados Unidos, não se exige a aquiescência do cadastrado de acordo com o Fair Credit Reporting Act [3]. O Brasilimplementou esta sistemática sob a alegação de que deveria acompanhar o desenvolvimento das demais legislações estrangeiras e que os bancos de dados positivos contribuiriam para a redução do spreadbancário para os “bons pagadores”. No entanto, até o momento, não se tem observado os referidos benefícios para os consumidores, nem mesmo para os detentores de parcos recursos financeiros[4], e, agora, sem qualquer concordância destes, as suas informações creditícias podem ser manejadas pelas fontes e bancos de dados.

O exame das alterações implementadas pela LC 166/2019 denotam que atenderam muito mais às pressões do setor mercadológico do que tencionam propiciar a proteção dos destinatários finais dos produtos e serviços. Podem ser observadas as seguintes principais modificações: dispensa da prévia oitiva do consumidor para que o registro seja efetivado, alimentado e compartilhado; ampliação injustificada de prazos que eram mais benéficos para a parte mais vulnerável; e dificuldades geradas para o cancelamento do cadastro existente.

Em consonância com a atual redação dos incisos I a III do artigo 4º da Lei 12.414/11, o gestor está autorizado a abrir cadastro contendo informações sobre o adimplemento de pessoas naturais e jurídicas independentemente do aval destas, bem como realizar anotações e as compartilhar com outros bancos de dados. Outrossim, permite a alínea “a” do inciso IV daquele mesmo dispositivo normativo que a nota ou pontuação de crédito seja disponibilizada para os consulentes. Em seguida, a alínea “b” estatui que a difusão do histórico de crédito suscita “prévia autorização específica do cadastrado”. Ora, tal regra não propicia a proteção ao consumidor como ocorre nos países europeus, eis que a sua vida financeira poderá ser vasculhada[5], alimentada por informações complementares e disseminada, somente sendo exigido o seu consentimento para a liberação do mapeamento creditício total.

Restou ao consumidor apenas ser comunicado sobre a realização do cadastro no prazo de até 30 dias após a sua efetivação, diligência que poderá ser concretizada pelo gestor de forma direta ou por meio de fontes. Estabeleceu-se um extenso prazo para que o interessado seja informado e não se definiu, de modo expresso, a quem compete esta relevante tarefa- aspecto que fragiliza ainda mais a tutela do consumidor. Ressalte-se que, a partir do recente cenário, todas as pessoas jurídicas ou físicas, que lidem com a concessão de crédito, administrem operações de autofinanciamento ou realizem venda a prazo ou outras transações comerciais e empresariais que impliquem risco financeiro, estão liberadas para a remessa de dados para os gestores, visto que o conceito de “fontes” foi amplamente alargado.

O aumento dos prazos para as respostas pleiteadas pelos cadastrados consiste em outro aspecto que não se coaduna com a promoção dos interesses e direitos dos consumidores[6]. De acordo com as normas anteriores, os interessados poderiam acessar as informações, a seu respeito, constantes nos bancos de dados positivos, bem como a sua pontuação e histórico, bem como impugná-las no prazo de 07 dias. Com a nova conformação legal, houve dilatação para até 10 dias. Quanto ao pleito de cancelamento, o cadastrado poderá realizá-lo perante qualquer gestor de bancos de dados, devendo este procedê-lo automaticamente, em 02 dias, transmitindo a solicitação aos demais gestores, que “devem atender, no mesmo prazo, à solicitação do cadastrado”, conforme os parágrafos 6º e 7º daquele mesmo dispositivo.

Nota-se a presença de regras que não albergam consequências proveitosas para os consumidores, eis que quando pugnar pelo cancelamento em face de um gestor, que não seja o que tenha iniciado o seu cadastro, não se tem garantido que este o comunicará aos demais e muito menos para as fontes, pois a atual redação do parágrafo 6º, do art. 5º, incisos I e II, não mais contempla esta obrigação, tendo sidorevogado o parágrafo 3º do art. 9º. Outrossim, ainda que o interessado obtenha êxito quanto à eliminação dos seus dados, outro cadastro poderá novamente ser realizado sem a sua permissão.

Os artigos 13 e 16, da Lei em epígrafe, dispõem, respectivamente, sobre a sua necessária regulamentação pelo Poder Executivo e a responsabilidade objetiva e solidária dos bancos de dados, das fontes e dos consulentes em decorrência dos danos materiais e morais causados aos cadastrados. Contudo, não houve, no Brasil, a instituição de uma autoridade incumbida especificamente do acompanhamento e da fiscalização do funcionamento dos cadastros positivos de crédito, como se vislumbra na Europa, competindo aos órgãos de proteção e defesa do consumidor este mister, nos moldes do artigo 17, parágrafo 2º. Nessa senda, seria interessante que o Secretaria Nacional do Consumidor destinasse um setor específico para o tratamento da matéria, realizando-se articulação com os demais entes que integram o SNDC para o cumprimento da relevante missão de evitar desvios nos registros creditícios, proporcionando também a educação e a informação do consumidor.

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM).

[1]Versam sobre o tema, dentre outros: BESSA, Leonardo Roscoe. Cadastro Positivo de Consumo. São Paulo: RT, 2011, p. 52. SILVA, Joseane Suzart Lopes da. Arquivos de Consumo: uma análise crítica acerca da realidade jurídica brasileira em comparação com as comunidades econômicas internacionais. Salvador: Paginae, 2013, p. 115.

[2]Cf.: PRIDGEN, Dee. Consumer Credit and the law. Thomson-West, 2006, revised edition. MAYER SCHÖNBERGER,Viktor. General development of data protection in Europe. In: AGRE, Phillip; ROTENBERG, Marc (orgs.). Technology and privacy: The new landscape. Cambridge: MIT Press, 1997.

[3]Cf.: BARRON, John; STATEN, Michael. The value of comprehensive credit reports: lessons from the U.S. Experience. In: MILLER, Margaret J. (ed) Credit reporting systems and the international economy. Cambridge: MIT Press, 2003. BENNETT, Colin. Regulating privacy: data protection and public policy in Europe and United States. Ithaca: Cornell University Press, 1992.

Examinar: BENDICH, A. M. Privacy, Poverty and the Constitution. Report for the Conference on the Law of the Poor, University of California at Berkeley, 1966, p. 4-7.

Cf.: MILLER, A. R. The Assault on Privacy. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1871. ROSENBERG, J M. The Death of Privacy. New York, 1969. WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The right do privacy. Harvard Law Review, n. 5, p. 195, dez. 1980. WESTIN, Alan. Privacy and freedom. New York: Atheneum, 1967. GIDDENS, A. Le trasformazioni dell’intimità.Bologna: Il Molino, 1995. POPPER, Karl. La società aperta e I suo inemici, vol. 2, Roma, 1973-74.RODOTÀ, Stefano. A vida na sociedade da vigilância. A privacidade hoje. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

[6]Cf.:BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições 70, LDA, 2010. BAUMAN, Zygmunt. Vida a Crédito. Trad. Alexandre Werneck. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. ______.A Ética é Possível num Mundo de Consumidores?Trad. Alexandre Werneck. São Paulo: Zahar, 2011. CANCLINI, N. G. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: UFRJ, 2006.

Fonte: Conjur - Consultor Jurídico - 17/06/2019

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