Queixas contra seguro de vida disparam em SP, com maior número em cinco anos
Publicado em 25/04/2019 , por Paulo Gomes
Dados do Procon apontam caminho contrário ao de outras modalidades; reguladora recomenda recorrer a ouvidorias
Antes de José Paulino Morato morrer por infecção generalizada no hospital, em janeiro de 2018, disse que deixava a família em sadia estabilidade financeira. Morato, afinal, pagou religiosamente as parcelas de um seguro de vida durante os seis anos anteriores.
Porém, na hora de receber o valor, sua viúva Maria Socorro teve uma surpresa: a modalidade que o marido contratou era apenas para morte em caso de acidentes. Morato era professor universitário.
"Meu marido foi enganado", diz Maria Socorro. Ela acrescenta que não faria sentido contratar uma modalidade para morte por acidente se ele não estava envolvido em atividades de risco —mais suscetível a motoristas ou trabalhadores de construção civil.
O banco Santander, parceiro de operações da seguradora Zurich no país, diz não haver nada de errado. O contrato, enfim, fala em seguro para morte por acidente, e o documento foi de fato assinado por Morato.
Casos como esse são exemplo de insatisfação cada vez maior no estado de São Paulo. Em 2018, o número de reclamações por seguro de vida cresceu 27% em relação ao ano anterior no Procon, fundação vinculada ao governo do estado que preza pelos direitos do consumidor. É o maior número nos últimos cinco anos.
Não há um argumento que explique esses aumentos. O próprio Procon diz não ter uma análise do crescimento. Os seguros de vida não seguem, por exemplo, uma tendência mais ampla. Pelo contrário, as reclamações de seguros como um todo no Procon tiveram queda de 2017 para 2018. Foram de 6.677 queixas para 5.640, uma retração de 16%.
Em todas as modalidades que o Procon contabiliza, a única que apresentou crescimento foi justamente a de vida. O seguro saúde é contabilizado separadamente. Dos demais —automóvel, residência e "outros seguros", que englobam microsseguros como os contra roubo de produtos e seguro-desemprego—, todos tiveram queda.
Casos como o da família Morato, que se enquadra como reclamação por venda enganosa, tiveram aumento de 200% no último ano. "Isso é feito para não pagar", diz Maria Socorro, apontando o contrato de seguro assinado pelo marido. "Eles [as seguradoras] são ricos em função do trabalho dos honestos", acusa a viúva.
Maria conta que, enquanto o marido era vivo, a família até brincava com o valor do capital segurado. "Ele contava do seguro e minha filha falava 'nossa, mãe, não vai nem precisar mais trabalhar, vai ficar de boa'", lembra. Maria, 56, que teve uma filha e uma neta com José, trabalha como secretária em um escritório.
Outra categoria de reclamação de seguro de vida que teve aumento no Procon foi o de não pagamento da indenização, com crescimento de 28%.
Os primeiros números de 2019 não são animadores. Proporcionalmente, a tendência é de novo aumento de reclamações da modalidade para este ano. Contabilizadas as queixas de janeiro e fevereiro, há proporcionalmente um aumento de 33% tanto por venda enganosa quanto pelo não pagamento de indenização. O percentual é mais baixo se considerado o total de reclamações de seguro de vida, mas ainda assim apresenta crescimento (4%) proporcional considerados os dois meses iniciais de 2019.
A Susep (Superintendência de Seguros Privados), autarquia que regulamenta o ramo no país, orienta os consumidores que se sentirem lesados a acionar as ouvidorias das seguradoras e disponibiliza canais próprios para reclamações.
Podem ser feitos registros por meio do telefone 0800 021 8484 (de segunda à sexta, das 9h30 às 17h, e somente por ligações oriundas de telefones fixos, orienta a Susep) e pela seção "Fale Conosco" do site da autarquia. Lá, é informado que as reclamações são encaminhadas para a ouvidoria da seguradora em questão que, a partir daí, tem 15 dias para contatar o consumidor para prestar esclarecimentos ou oferecer soluções.
Relatório do Procon com balanço de 2018 aponta que, na área de assuntos financeiros, a Zurich é a empresa que teve mais quantidade de reclamações no ano, à frente de bancos como Bradesco, Itaú, Caixa Econômica e o próprio Santander.
No texto, o Procon acusa a Zurich de sonegar informações no ato da contratação, "induzindo os consumidores a erro, e no momento da utilização do 'seguro' se utilizam de subterfúgios linguísticos e jurídicos para a negativa de cobertura". Além disso, a fundação classifica a atuação do órgão regulador de mercado de seguros, a Susep, como "deficitária".
José Morato teve pago à sua família apenas um auxílio-funeral, e "isso só depois que o jornal Agora [do Grupo Folha, que edita a Folha] acionou eles, porque eu fui atrás e não consegui nada", diz Maria Socorro. Ela conta que mesmo assim o valor não cobriu os custos funerários.
"Ele achava que eu estaria amparada", diz a viúva, sobre o marido. "Pelo nível de instrução que ele tinha, não iria assinar um seguro para o caso de morrer atropelado. Até por que, como ele iria adivinhar do que ia morrer?", pergunta.
Procurado para esclarecer o caso, o Santander informou apenas que "já esclareceu à senhora Maria do Socorro as coberturas do seguro e que a indenização paga está de acordo com o produto contratado”.
Fonte: Folha Online - 24/04/2019
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