Panorama e novos desafios na defesa do consumidor
Publicado em 11/04/2019 , por Luciano Benetti Timm
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) fará seu trigésimo aniversário em 2020 e, apesar dos avanços ocorridos nesse período, ainda são muitos os desafios a serem superados. O principal deles diz respeito ao modo como o direito do consumidor vai solucionar as questões trazidas pela economia digital.
Para buscar as respostas necessárias neste momento, é preciso conhecer a história da legislação de proteção ao consumidor no país, que se inicia na virada da década de 1980 para a de 1990, quando o país enfrentava altíssima inflação e lidava com as consequências do descontrole nos gastos públicos.
Aquele foi um período de muito sofrimento para os consumidores brasileiros, marcado por sucessivos planos de estabilização econômica e por reflexos em desajustes de preços e de mensalidades diversas (como escolas, aluguel e financiamentos).
A década de 1990 inaugura um tímido movimento de abertura da economia ao exterior e desestatização, a partir das privatizações. Foi justamente nesse período que o país conseguiu a estabilização de preços, graças ao Plano Real, a aprovação da Lei do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a criação das agências reguladoras e o abandono do falido controle de preços.
Inicia-se, então, uma nova fase para o consumidor brasileiro, agora relacionado com maior oferta e de bens e serviços em um mercado mais dinâmico e com mais renda e distribuição de riqueza. Um número maior de brasileiros passou a ter condições de frequentar supermercados, adquirir eletrodomésticos, ter acesso a energia elétrica, voar de avião e ter conta bancária. Além disso, mais pessoas passaram a ter condições de frequentar escolas particulares, fazer universidade e ter plano de saúde, por exemplo.
A infraestrutura e a oferta de serviços, no entanto, não seguiu no mesmo ritmo da demanda, que esteve reprimida por tantos anos de inflação. Foram (e seguem sendo) anos de reclamações contra justamente instituições financeiras, empresas de telefonia e luz e, em menor escala, de aviação, seguros e ensino.
Também o Poder Judiciário se viu abarrotado por demandas de diversos tipos de consumidores. Em parte, haveria a percepção de que agências reguladoras criadas para garantir o bom funcionamento das empresas privatizadas não fizeram seu dever de casa -embora faltem pesquisas empíricas suficientes para tal conclusão.
Apesar desses problemas, é inegável que o bem-estar do consumidor, no geral, melhorou desde a promulgação do CDC. Antes das críticas, portanto, é preciso reconhecer o que houve de positivo. Isso não significa dizer que não haja muito a melhorar.
Há sim lugar para essas empresas que atendem a maioria dos brasileiros melhorarem seus canais de relacionamento com o consumidor, evitando que eles precisem recorrer ao Judiciário. Igualmente, os órgãos reguladores podem atuar mais coordenados a fim de gerar uma regulação eficiente que promova o cumprimento espontâneo da lei.
De outra parte, infelizmente, não se fez o mesmo esforço governamental para diminuição do descontrole das finanças públicas, nem para melhora da infraestrutura do país. Isso significa que o consumidor brasileiro paga caro pelos produtos e serviços aqui negociados. É parte do “custo Brasil”. Aqui há também muito espaço para melhoras. Precisamos ganhar produtividade empresarial e aumentar a eficiência estatal, reduzindo a carga tributária. Isso fará com que o consumidor brasileiro pague menos para viajar, para se comunicar, para utilizar eletrodomésticos. Quem se preocupa com os direitos do consumidor deve estar atento a isso.
O mais novo desafio para atualização interpretativa do CDC é a economia digital. O que os estudiosos do direito do consumidor têm a dizer sobre a melhora do bem-estar dos consumidores com o comércio eletrônico? E com aplicativos de mobilidade urbana? E sobre compras de viagens on-line? E as novas tecnologias como o blockchain, podem trazer mais segurança aos consumidores? Com tantas distrações de redes sociais e bombardeamento de informações, como garantir a segurança dos consumidores? Finalmente, como garantir a proteção de dados e da privacidade?
Fato é que estamos diante de uma nova revolução industrial, talvez mais potente do que a descoberta da máquina a vapor ou da energia elétrica. É preciso pensar em mecanismos que permitam ao consumidor falar, ser ouvido e respondido no âmbito das empresas e também no campo governamental.
Quando se examina a agenda do Grupo de Trabalho da OCDE em tema de Defesa do Consumidor, que terá lugar em Paris em abril desse ano, essas são as preocupações reveladas: uso de novas tecnologias para informar o consumidor dos riscos dos produtos e monitorar sua qualidade, especialmente de inteligência artificial; garantir transparência em ambiente digital; e proteção de dados.
Sem descuidar do passado, esse é um novo caminho também a ser trilhado pelos consumeristas no Brasil, pois tudo isso afeta e afetará os brasileiros por mais que estejamos atrás em termos de desenvolvimento econômico e social.
*Luciano Benetti Timm, professor da Unisinos e da FGV-SP, é doutor em Direito e secretário nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública
Fonte: Estadão - 10/04/2019
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