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Reforma libera estatal para demitir funcionário que se aposentar
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Reforma libera estatal para demitir funcionário que se aposentar

Publicado em 14/03/2019 , por William Castanho Joana Cunha

Medida poderia afetar 500 mil funcionários e reduzir passivos trabalhistas

A reforma da Previdência do presidente Jair Bolsonaro (PSL) estabelece a demissão de empregados de estatais aposentados. A medida agiliza o enxugamento de empresas públicas e de economia mista.

Funcionários de empresas como Petrobras, Eletrobras, Correios e Banco do Brasil são contratados pelo regime da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), apesar da exigência de concurso. Eles contribuem para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

Hoje, tribunais superiores proíbem o desligamento de trabalhadores dessas empresas em razão de aposentadoria voluntária —ou seja, quando o empregado atinge os requisitos para obter o benefício.

A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Previdência altera o parágrafo 10º do artigo 37 da Constituição Federal, que trata da estrutura da administração pública.

Pelo texto atual, apenas servidores públicos estatutários estão proibidos de receber simultaneamente aposentadoria e remuneração decorrente de cargo, emprego ou função pública.

O projeto do ministro Paulo Guedes (Economia) e Bolsonaro estende a proibição para funcionários de estatais, já aposentados no INSS, de modo que eles também não recebam salários decorrentes desses empregos.

O Boletim de Empresas Estatais Federais, do extinto Ministério do Planejamento (hoje vinculado a Economia), mostra que 67,7 mil funcionários, de um total de 500 mil, têm mais de 56 anos --já se aposentaram ou são potenciais candidatos à aposentadoria. Os dados são do terceiro trimestre de 2018.

É significativo também o número de trabalhadores com muitos anos de serviços prestados às estatais: 48.697 deles trabalham há mais de 31 anos.

Nos Correios, por exemplo, cerca de 6.800 funcionários, de um total de 106 mil, estão aposentados. Na Petrobras são 4.400 de um universo de 47 mil trabalhadores.

"Do jeito que está, não dá para não acontecer de outra forma: a demissão será automática. Ou o contrato de trabalho segue ao longo do tempo ou cessa de uma vez", diz Marcus Orione, professor de direito previdenciário da USP. 

Orione critica a mudança e afirma que ela será questionada na Justiça.

Há a leitura de que a medida ajuda a tornar as estatais mais atrativas no plano de privatização do governo federal.

Para a economista Ana Carla Abrão, sócia da consultoria Oliver Wyman, a mudança prevista na PEC pode proporcionar uma reciclagem de profissionais no setor público, com resultado positivo sobre a produtividade.

"É um modelo que não incentiva a oxigenação. As pessoas que estão lá fazem a mesma coisa e ninguém faz igual a elas. No fim, se aposentam, não tem sucessão porque o modelo não tem gestão de pessoas e não tem transferência de conhecimento nem tecnologia", afirma Abrão.

Com o fim da multa de 40% do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), também previsto na reforma, especialistas veem ainda a possibilidade de redução de passivos trabalhistas das empresas.

De acordo com Jorge Boucinhas, professor de direito da FGV Eaesp, caso a PEC seja aprovada, poderá haver, imediatamente, a demissão de todos os profissionais que hoje trabalham nessa situação.

"Isso não só barateia as rescisões dos contratos como dá uma justificativa jurídica para essas rescisões. Facilita o projeto de privatizações", diz.

Guedes é entusiasta da venda de todas as estatais. Segundo ele, é possível arrecadar R$ 802 bilhões com a privatização só das empresas da União.

Para Cintia Barudi Lopes, professora de direito administrativo da Universidade Mackenzie e da FMU, a mudança tem um objetivo: "A proposta foca as estatais".

"Antes a restrição era só para servidor público estatutário, agora gera restrição de se aposentar e trabalhar para empregados de estatais, que são do Regime Geral de Previdência Social [INSS]", diz Lopes.

Em nota, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho informou que "o objetivo do dispositivo é evitar aposentadorias precoces de servidores públicos de prefeituras sem regimes próprios e de empresas públicas e sociedades de economia mista".

Atualmente, pelas regras do INSS, não há idade mínima para aposentadoria. São necessários 30 anos de contribuição, no caso das mulheres, e 35, para homens.

Por tempo de contribuição, as mulheres se aposentam em média aos 53 anos, e os homens, aos 56 --número muito próximo da idade do contingente dos servidores mapeados pelo boletim das estatais do governo.

Ainda segundo a secretaria, esses funcionários "acabavam recebendo aposentadoria do INSS com seus salários de natureza pública". Questionado, o órgão não respondeu se a regra autoriza a demissão automática.

Dados do Tesouro Nacional mostram que o governo federal precisa socorrer as estatais para fechar suas contas. Em 2017, foram repassados R$ 9,3 bilhões às empresas. A União tem 148 estatais.

Em 2018, o rombo do INSS foi de R$ 195,2 bilhões.

Com as mudanças, Thiago Barison, professor de direito da FGV Eaesp, diz que a reforma prejudica o empregado.

"Tem uma camada importante de empregados públicos e de sociedade de economia mista que ganha acima do teto do INSS [R$ 5.839,45] e é a inteligência dessas empresas", afirma. "Para eles, vai ficar desinteressante continuar no serviço público."

A proposta de proibir empregado público de receber salário e aposentadoria é recorrente. Em 2017, o relator da reforma da Previdência de Michel Temer (MDB), deputado Arthur Maia (DEM-BA), apresentou a mesma medida.

Na época, ele disse que isso resultaria em economia anual de R$ 2 bilhões à União. A reforma de Temer parou no Congresso após a revelação dos áudios de Joesley Batista.

Em 2006, o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou inconstitucional um trecho da CLT, modificado em 1997, que previa a dispensa de trabalhadores de estatais que se aposentam.

A retorno da medida agora, segundo especialistas em direito, poderá ser questionado.

Fonte: Folha Online - 13/03/2019

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