Consignado: chamariz de golpe contra aposentados
Publicado em 19/02/2019 , por Martha Imenes
Fraudadores de posse dos documentos de segurados se dizem do 'Portal do INSS', que não existe
Rio - Que aposentados e pensionistas do INSS são alvo de estelionatários todos sabem, inclusive os órgãos pagadores e autoridades policiais, o que ninguém parece saber é como os dados dos segurados vão parar nas mãos dos golpistas. E o principal chamariz, como sempre, é o crédito consignado, descontado diretamente nos contracheques. E a escolha dos golpistas não é aleatória: a garantia de concessão de empréstimo é mais fácil para esse grupo de pessoas.
Para a aposentada Maria machado Cota, de 70 anos de idade, moradora de Belo Horizonte, o que mais atormenta é o fato de golpistas terem todos os dados dos segurados, inclusive número de conta bancária. "Um disparate", afirma. Ela conta ao DIA que sempre recebe ligações oferecendo empréstimo consignado, mas uma em particular chamou a atenção: "A pessoa se identificou como sendo do Portal do INSS - que sei que não existe -, e ainda me informou todos os dados da minha concessão, como número de benefício, data de aposentadoria, CPF e até número da minha conta bancária e endereço da agência onde recebo", diz D. Maria.
"Expliquei à pessoa que não tinha interesse em pegar empréstimo consignado, que não precisava. Mas quanto mais dizia não, mais ela insistia. Eram mil argumentos", explica a aposentada, que também é presidente da Rede Íbero-Americana das Associações de Idosos. "É impressionante como têm acesso aos nossos dados antes mesmo da concessão do benefício", critica.
A aposentada critica a falta de controle no acesso aos dados, que, segundo ela, dizem respeito somente aos segurados e órgãos pagadores.
Nas mãos do telemarketing
Não raras as vezes, o telefone toca sem parar, do outro lado da linha um serviço de telemarketing oferece um valor "autorizado e disponível" de crédito consignado. E isso ocorre antes mesmo de o trabalhador se aposentar ou para os recém aposentados, como O DIA tem noticiado.
Uma pessoa que foi alvo de fraudadores e, ainda bem, não caiu no golpe foi a irmã da D. Maria. Ela conta que antes mesmo de ter o benefício concedido, Magela, de 60 anos e moradora de BH, recebia ligações para oferecer crédito consignado. "Minha irmã deu entrada no pedido de aposentadoria no INSS em maio do ano passado, quando chegou novembro recebeu ligações de bancos oferecendo empréstimo. Mas a aposentadoria dela só foi implementada em janeiro deste ano", diz D. Maria. O que mais impressiona? "Ninguém explica como os dados param nas mãos de falsários". E dá a dica para os aposentados: "Não passe dados pelo telefone, se precisar de um empréstimo consignado vá direto ao banco ou instituição financeira para não cair em golpe".
As fraudadores são perspicazes e se utilizam de artifícios para dar credibilidade ao golpe, como número de documentos, dados do benefício e uma simpatia encantadora. O que D. Maria adverte: "Não se deixe iludir! Uma vez nas mãos deles para se livrar é um verdadeiro martírio", diz a aposentada que garante nunca ter pego empréstimo consignado justamente por conta desse temor.
Denúncias
Em dois anos, entre 2016 e 2017, o número de denúncias sobre empréstimos irregulares na Ouvidoria do INSS chegou a 78.898. E isso acendeu a luz vermelha no Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), que, a exemplo do Serpro, entrou com questionamento sobre vazamento de dados de segurados no INSS por causa das queixas e reclamações de consumidores de todo país que também recebem as ligações. O Idec considera que a prática viola o sigilo de informações dos segurados.
"Quando fizemos o questionamento, o INSS alegou que não repassa informações, mas na prática o que vemos é que há vazamento. Em alguns casos, o representante bancário avisa ao segurado que o pedido de aposentadoria foi autorizado e diz o valor. O INSS diz que não compartilha as informações", diz Ione Amorim, economista do Idec.
Os órgãos de defesa do consumidor explicam que é possível recorrer à Justiça após as ligações, mas alertam que a responsabilidade sobre os dados é do INSS e que o processo pode ser demorado.
O órgão reiterou que não fornece dados dos segurados sem autorização e que estas são tratadas com total sigilo. Acrescentou ainda que "se existe servidor fornecendo dados dos beneficiários ou oferecendo empréstimos consignados, é de maneira ilegal".
Resolução para barrar descontos
Para tentar conter a ação de golpistas o INSS publicou a Resolução 656/2018 em 5 de setembro. Pela medida, os empréstimos consignados não reconhecidos pelos segurados são suspensos até que comprove se o empréstimo é verdadeiro ou não.
"No momento em que o segurado registra a sua reclamação (na Agência da Previdência Social) e assina o documento, o contrato deve ser suspenso. Caso o desconto continue sendo feito, deve ligar para o 135 ou comparecer a uma agência do INSS para que o caso específico seja analisado", informou o INSS ao DIA.
"Serão solicitados alguns dados do reclamante, para que a instituição saiba qual o tipo de desconto, se é empréstimo consignado mesmo ou se é mensalidade de associação ou sindicato", complementa. O instituto vai mais além e faz um alerta: "Não fazemos contrato para empréstimo com associações".
Desarticulação de esquema criminoso
Balanço da Força-Tarefa Previdenciária mostra que em 2018 R$ 463 milhões deixaram de sair dos cofres públicos. Nessa quantia são considerados os pagamentos futuros que não serão realizados em função da desarticulação de esquemas criminosos. A parceria é formada pela Secretaria de Previdência, pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal.
Segundo a Coordenação-Geral de Inteligência Previdenciária (Coinp), setor de inteligência da Secretaria de Previdência, foram realizadas 61 operações e sete ações de flagrante. Nas operações, foram cumpridos 607 mandados judiciais, sendo 117 mandados de prisão e 17 mandados de afastamento das funções públicas, além de 473 mandados de busca e apreensão. As ações de flagrantes resultaram em 17 prisões.
"Em 20 anos de atuação especializada no combate à fraude previdenciária, intensificamos nosso trabalho de varredura das bases de dados em busca de padrões de comportamentos indicativos da atuação de esquemas criminosos, o que tem proporcionado resultados mais efetivos”, destaca Marcelo Henrique de Ávila, coordenador-geral da Coinp.
Os principais tipos de fraudes investigadas são: a falsificação de documentos, sobretudo de identidade e de registro civil, ocupa metade de todo o esforço investigativo da Força-Tarefa. “A falsificação documental tomou proporções preocupantes, gerando um ambiente de insegurança na identificação dos cidadãos perante o poder público e até em suas relações privadas. Além da premente necessidade de implantação da identificação biométrica no país, é preciso que haja uma maior integração de informações e de sistemas da administração pública, no sentido de fazer frente a essa realidade que atinge não apenas a Previdência, mas a sociedade como um todo”, observa Ávila.
Fonte: O Dia Online - 18/02/2019
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