O que distancia o Código de Defesa do Consumidor de sua efetividade?
Publicado em 13/12/2018 , por Diógenes Faria de Carvalho, Vitor Hugo do Amaral Ferreira e Felipe Magalhães Bambirra
Enalte-se o Código de Defesa do Consumidor brasileiro em todo o mundo. A elogiada redação de tutela aos consumidores clama por maior efetividade. Pergunta-se: o que distancia o CDC, uma das mais completas legislações de defesa ao consumidor do mundo, de sua efetividade?[1] A resposta merece cuidado, análise de várias conjunturas, mas certamente a ausência de uma política pública comprometida muito contribui.
Como se percebe ao longo da redação a previsão legal e prática jurídica precisam permear a dignidade da pessoa humana, o projeto normativo, por mais nobre e fundamental que seja, carece de eco na praxis. Eis a necessidade de uma tutela de efetividade consubstanciada à dignidade (da pessoa) humana e o dever de proteção.
Discutir política pública não é tarefa fácil, a sua efetividade é ainda de maior dificuldade. Como tratar de efetividade da política pública, quando não há uma política em ordem continuada, o que talvez denote a ausência da própria política pública. Talvez essa seja razão de um discurso estéril.
Indiscutível a arquitetura legislativa do Código de Defesa do Consumidor, bem como tudo que sua vigência representa, mas nos resta maior efetividade. A pauta é o fortalecimento do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, e só será possível falarmos de sistema se houver política pública que congregue e articule a defesa do consumidor de forma sistemática, articulada e contínua. Embora muitas e importantes sejam as ações em defesa do consumidor, identificamos que não estão necessariamente articuladas como políticas públicas efetivas.
Em tempo, a criação do Código de Defesa do Consumidor é a primeira e mais louvável política pública brasileira de tutela aos consumidores, dele decorre os PROCONs, a organização do SNDC e a previsão da PNRC. Entre a previsão e a efetividade da norma, não raramente o Estado deixa de cumprir o dever de proteção (artigo 5º, XXXII, CF), vale ressaltar a demanda crescente que chega ao Judiciário, que vem patrocinando a teoria do mero aborrecimento, negando aos consumidores o direito de ressarcimento dos danos sofridos; o Poder Executivo, por sua vez, não consegue, em tempo, acompanhar a complexidade das relações de consumo, negligenciando um aporte maior ao SNDC, ou mesmo à SENACON. Incluímos ainda a ausência de imparcialidade das Agências Reguladoras como fator negativo à tutela aos consumidores; ao Poder Legislativo, dentre outras situações, frisamos pontualmente a morosidade na aprovação dos projetos de atualização do CDC, em especial, o PL 3.514/2015 e PL 3.515/2015.
Importante avanço como política pública em ordem nacional foi a implementação do PLANDEC, Decreto 7.963, de 15 de março de 2013, criando também a Câmara Nacional das Relações de Consumo, junto ao Conselho de Governo, com o Conselho de Ministros e o Observatório Nacional das Relações de Consumo como instâncias de gestão. Após a publicação do CDC, foi a grande política de Estado para defesa dos consumidores. O Plano tinha como finalidade promover a proteção e defesa do consumidor em todo o território nacional, por meio da integração e articulação de políticas, programas e ações. Ainda que excelente a iniciativa, hoje não se conhece nenhuma ação concreta do (extinto) PLANDEC.
Observa-se que a intenção era de extrema relevância, os eixos de atuação do Plano cuidavam da prevenção e redução de conflitos; regulação e fiscalização; e o fortalecimento do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. O Decreto também criou o Observatório Nacional das Relações de Consumo que integrava a Secretaria Nacional do Consumidor, o Comitê Técnico de Consumo e Regulação, o Comitê Técnico de Consumo e Turismo, e o Comitê Técnico de Consumo e Pós-Venda.
O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), regulado pelo Decreto 2.181/1997, tem na legislação outro instrumento de excelência no que tange à previsão legal, porém a efetividade de congregar vários agentes em âmbito nacional não logram grandes frutos. Como destacamos no texto, o próprio site do Ministério da Justiça faz menção apenas a algumas entidades como partícipes do SNDC, registramos a ausência do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON), associação protagonista no debate que percorre os direitos dos consumidores.
O Decreto 7.738/2012 criou a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON), outra relevante iniciativa à política de defesa, que passou a formular, promover, supervisionar e coordenar a Política Nacional de Proteção e Defesa do Consumidor. Conclui-se por um novo status hierárquico, maior tutela ao consumidor na administração federal, porém atualmente logra de pouco prestígio junto à política de Estado.
É possível perceber o esforço da consolidação de uma Política Nacional das Relações de Consumo, difícil tem sido sua manutenção. Dentre as políticas brasileiras atuais para o aprimoramento das relações de consumo, como antecipado, destaca-se a plataforma consumidor.gov.br, institucionalizada pelo Decreto Federal 8.573, de 19 de novembro de 2015. Reconhece-se como uma política pública destinada à autocomposição das demandas de consumo, que, por sua vez, enquadra-se dentre os objetivos da Política Nacional das Relações de Consumo, segundo o disposto no artigo 4º, inciso V, CDC.
Nesse sentido, o serviço destina-se à implementação de uma das vertentes do Plano Nacional de Consumo e Cidadania. Positivamente são 1 milhão usuários-consumidores cadastrados na plataforma, que também contabiliza 1,4 milhão de reclamações finalizadas, sendo que 49,3% delas foram registradas na região sudeste do Brasil; 20,1% na região sul; 15,8% na nordeste; 9,7% na centro-oeste; e 3,7% na norte.
O balanço dos indicadores, para o ano de 2017, revela que 99,5% das reclamações foram respondidas pelos fornecedores e que o prazo médio de resposta foi de 6,3 dias. Além disso, 80,8% das reclamações foram solucionadas.
Os segmentos de mercado com maiores registros de reclamações em 2017 foram os de operadoras de telecomunicações, com 43,3%; bancos, financeiras e administradoras de cartão, com 20,4% e bancos de dados e cadastros de consumidores com 14,5%.
Os dados demonstram que o consumidor.gov.br é uma política bem-sucedida e com crescente engajamento por parte dos agentes econômicos, em especial dos consumidores, como exposto. Faz o Estado o cumprimento do seu dever de proteção quando tem sua titularização junto à plataforma.
Contudo, uma análise mais detida permite defender que a política de solução consensual de conflitos tem sido subutilizada, ainda é de se considerar que a política de acesso às tecnologias para a maioria dos consumidores brasileiros é carente. Alerta-se, ainda, que a vulnerabilidade do consumidor deve ser reconhecida e a plataforma digital, em alguns casos, não os contempla.
[1] Pesquisa apresentada sobre a Política Nacional de Defesa do Consumidor: uma análise de propostas de políticas públicas em defesa do consumidor brasileiro para o Ministério da Justiça.
Fonte: Conjur - Consultor Jurídico - 12/12/2018
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