13º ajuda brasileiro a renegociar as dívidas
Publicado em 04/12/2018 , por Tássia Kastner
Planejadores financeiros recomendam que contas essenciais sejam pagas antes de débitos antigos
Com o dinheiro do 13º salário, cuja primeira parcela foi paga a cerca de 84 milhões de trabalhadores na sexta-feira (30), brasileiros têm na conta a possibilidade de negociar dívidas que ficaram atrasadas.
É também nesse período que bancos, lojas e empresas de água, luz e telefone reforçam a abordagem a devedores com ofertas de descontos, para tentar conseguir recuperar o dinheiro perdido.
As promessas são de redução de até 95% no valor das dívidas, ainda que cortes desse tipo costumem ser destinados apenas a quem tem débitos antigos, vencidos há pelo menos um ano.
Na renegociação, bancos tendem a reduzir parte dos juros cobrados ou então a multa por atraso e parcelar o restante com prazos mais longos, para que a prestação da dívida caiba no orçamento do consumidor.
Raiza Pereira da Silva, 24, foi ao feirão da Serasa (birô de crédito) na semana passada negociar uma dívida de 2014. Ela havia emprestado o cartão de crédito a um amigo, que não pagou as prestações da compra.
Sem dinheiro para cobrir a despesa que não estava prevista, acabou incluída no cadastro de devedores.
“Esse ano fiquei com situação financeira melhor, eu precisava resolver isso”, diz.
A dívida de cerca de R$ 1.500 foi reduzida para R$ 230, e o valor será pago em duas parcelas. “Baixou bastante o valor dos juros”, afirma.
“Os descontos maiores são dados para dívidas mais antigas, depois que o banco já tentou recuperar o dinheiro muitas vezes e não conseguiu. Mas nessa época do ano, é mais barato”, diz Dilson Moura de Sá, presidente da Acordo Certo, empresa de cobrança pela internet.
Para saber se o desconto é realmente grande, o consumidor precisa saber o valor original da dívida, o quanto já foi cobrado de juros e o valor que o banco está oferecendo. E, a partir desse ponto, negociar.
Para Karoline Roma, planejadora financeira certificada pela Planejar, um inadimplente nunca deve aceitar a primeira oferta, porque sempre há espaço para descontos ainda maiores com negociação.
“Quando mais fácil, maiores são os juros. Com aplicativos é mais automático, mas quando o devedor faz uma segunda conversa com o gerente, ele tem uma nova alçada de negociação de desconto”, afirma. Para ela, a conversa deve seguir para que o consumidor consiga reduções na dívida.
Com a maior concorrência de novas empresas de cobrança, é possível ainda pesquisar se as condições são as mesmas em todos os lugares e no próprio banco, que oferece plataformas de negociação online.
“Quanto mais o cliente insiste, mais desconto a gente consegue oferecer. E temos instrumentos para medir o quão interessado ele está em negociar”, diz Sá, da Acordo Certo. Cheque especial e rotativo do cartão de crédito têm juros caros; consumidor pode trocar dívida por empréstimo mais barato
Uma das ferramentas adotadas é medir quantas vezes o cliente que ouviu uma primeira proposta de renegociação, mas não fechou acordo, volta ao site da empresa; é o que o executivo define como “namorar a dívida”.
Há, porém, um segundo ponto que precisa ser considerado, além do desconto: a real capacidade do consumidor de honrar o pagamento após fechar o acordo.
Por isso, Roma sugere que o consumidor que está inadimplente primeiro desconsidere as dívidas atrasadas, que ela chama de dívidas de estoque, e se concentre apenas nos gastos do dia a dia.
Depois de olhar a renda a atual e descontar despesas do mês —como moradia, luz, telefone e alimentação—, é possível saber se sobra algum dinheiro para negociar as dívidas que estão em estoque.
Se os gastos ainda estão maiores que o salário do mês, é preciso cortá-los, para não elevar o endividamento.
Nesse cenário, o 13º salário não deve ser usado para quitar dívidas atrasadas, mas para garantir que as contas essenciais ficarão em dia e prever despesas de começo de ano.
“A pessoa fica incomodada porque tem uma dívida, aí paga e resolve o estoque, mas não prevê que precisará pagar IPVA, IPTU e não tem dinheiro”, diz a planejadora financeira.
Passada a prioridade de garantir as contas essenciais em dia, são duas as formas de lidar com os atrasados.
Uma opção é negociar os débitos com juros mais caros, como cartão de crédito e cheque especial. A outra, para quem tem várias dívidas pequenas com várias lojas e bancos, é liquidar essas despesas e ficar com apenas uma dívida mais cara, para negociá-la no futuro.
Roma considera que essa estratégia ajuda a diminuir a sensação de que o problema nunca será resolvido.
“Psicologicamente, se eu consigo resolver as dívidas pequenas, já ajuda. Quando o consumidor está com muitas dívidas, vai ter que fazer um bem bolado, não vai conseguir resolver tudo de uma vez”, afirma a planejadora financeira.
Joyce Carla, gerente do Serasa Consumidor, diz ainda que sob hipótese alguma o consumidor deve aceitar uma parcela maior que 30% do salário mensal ao renegociar dívidas. Do contrário, o risco de voltar à situação de inadimplência aumenta muito.
Segundo o SPC Brasil, 80% das pessoas que tiveram o nome incluído no cadastro de devedores em outubro, dado mais recente, já tinham tido o nome negativado no último ano.
A estimativa de devedores com o nome sujo muda conforme o birô de crédito, mas supera os 60 milhões em todos os levantamentos, número que está relativamente estável há anos.
Para Joyce Carla, a dificuldade de reduzir o número de negativados reflete o atual cenário econômico. O desemprego começa a cair e a renda dá sinais de recuperação, mas depois de anos de recessão a população ainda precisa de um tempo para reorganizar as contas e ter sobra de dinheiro para pagar dívidas.
“Eu não afirmaria que nesse final do ano estamos tirando pessoas [da inadimplência] do dia para noite, mas nossa carteira vem melhorando. Depois que a pessoa renegocia, o retorno à inadimplência chegou a ser de 25%. Hoje é inferior a 19%”, diz Simão Kovalski, diretor de reestruturação de ativos do Banco do Brasil.
“É um dos indicadores que mostra que esse movimento vem melhorando, mas é demorado porque mexe na cultura das pessoas”, afirma.
Como pagar dívidas e tirar o nome da lista de devedores
Passo 1
Qual é o tamanho da dívida?
Some todas as contas em atraso para saber o tamanho da dívida
Procure na nota fiscal ou na fatura do cartão de crédito o valor inicial da dívida, antes da cobrança de juros por atraso
Esse valor é importante para saber se o banco está dando desconto na negociação
Se não souber o valor atual de cada dívida, procure nas empresas ou nos balcões de avaliação de crédito (como SPC, Serasa e Boa Vista)
Passo 2
Qual é o valor disponível para pagar essa dívida?
Faça a conta de quanto recebe por mês e diminua as despesas com as contas da casa e alimentação
Exemplo
R$ 1.000 (salário)
R$ 150 (luz, água, telefone, gás)
R$ 400 (alimentação)
R$ 200 (transporte)
R$ 100 (cartão de crédito)
Sobram por mês R$ 150
Quando for negociar, não se comprometa a pagar uma parcela maior que o valor de sobra do orçamento
Não some ainda dívidas atrasadas
Se os gastos do mês forem maiores que o salário, corte despesas antes de negociar dívidas
Passo 3
O que pagar primeiro?
Contas do dia a dia, como aluguel, luz e água, se elas estiverem atrasadas. Nas contas de consumo, também é possível obter descontos
Especialistas sugerem três formas de negociar dívidas:
1. Em bloco
Se a dívida é com o banco, no cartão de crédito e no cheque especial, por exemplo, negocie uma linha de crédito com juros mais baratos. E peça desconto no valor da dívida que será parcelada em uma única prestação
2. Mais caras primeiro
Quem tem dívidas no cartão de crédito ou no cheque especial, com juros muito caros, pode tentar quitá-las antes de pagar outras, já que essas crescem mais rapidamente
3. Menos é mais
Se o valor disponível para pagar dívidas não cobre toda a dívida do cartão, mas é suficiente para liquidar completamente outras contas (ex: carnê da loja, contas do mês ou aquele empréstimo de um amigo), pague essas contas e fique com apenas uma dívida em aberto para negociar com o banco
Atenção!
Não pegue um novo empréstimo para pagar dívidas atrasadas sem negociar com o banco. A dívida vai ficar mais cara do que preciso porque você vai pagar muitos juros
Passo 4
Esse desconto é bom?
Quanto maior o atraso da dívida, maior é o desconto que bancos e empresas de cobrança oferecem. Sabendo o valor inicial da dívida, é possível saber se o desconto do banco é de verdade
Não aceite a primeira proposta: os bancos têm margem para negociar
Uma estratégia é “namorar a dívida”: ver uma proposta, não fechar acordo, e voltar para saber se o banco já baixou o valor do débito. Quando o devedor volta para o site em busca de uma proposta melhor, mostra interesse em pagar o que deve e bancos tendem a dar desconto
Passo 5
Onde negociar
Passo 6
Não ofereça todo o valor do 13º para pagar a dívida
Se você tiver R$ 1.000, use apenas R$ 700 e negocie com base nesse valor
A sobra pode ir para uma reserva de emergência ou para pagar dívidas com outras empresas
Passo 7
Pague a prestação acordada
Lembre-se, a primeira negociação é a mais fácil
Se um devedor deixa de pagar o que deve uma segunda vez, o banco fica menos disposto a negociar, porque não acredita que ele quer limpar o nome
Passo 8
Nome limpo
Depois de pagar a primeira prestação da dívida, a empresa tem até 5 dias úteis para limpar o nome do devedor
Se houver atraso nessa negociação, a pessoa volta para o cadastro de maus pagadores
Fonte: Folha Online - 03/12/2018
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