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Operador de call center: como é estar na outra ponta da ligação que você odeia atender?
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Operador de call center: como é estar na outra ponta da ligação que você odeia atender?

Publicado em 03/07/2017

Operadores de call center e telemarketing representam aqueles grupos que muitos adoram odiar. Em situações de humor, são alvo de piadas —os chatos, os inconvenientes, aqueles de inteligência limitada. Quando o tom é de raiva, há quem xingue, desligue o telefone na cara, pratique grosserias dos mais diversos tipos. O cliente pode ter motivos para se aborrecer com os contatos frequentes via telefone, mas, ao contrário do ditado, ele não tem sempre razão.

O UOL entrevistou profissionais que relatam o outro lado da ligação. Eles contam como é trabalhar nessa profissão com uma equação complexa: é preciso falar com pessoas que geralmente não querem esse tipo de contato.

"Me diz se tem como se estressar nesse trabalho? Você se diverte, você gargalha, você conta histórias", resume Nicole, atendente há seis meses –ela oferece planos de telefonia para quem já é cliente da operadora. Em um vídeo no YouTube sobre seu primeiro mês na profissão, relatou casos que a fazem enxergar o atendimento como algo divertido.

Teve uma mulher enfurecida, insinuando que a atendente era amante de seu marido. Quando percebeu a confusão, desculpou-se e chamou o homem. Outro cliente pediu para adicioná-lo no Facebook, para saber se ela era "tão linda quanto sua voz".

E teve também o homem que, a cada chamada, adquiria uma identidade diferente: um funcionário da funerária (que não podia falar, pois estava passando formol no morto), um policial federal e uma prostituta (que disse não saber o que fazer, pois o dono da linha havia morrido durante o programa).

Nicole, que cursa faculdade de fisioterapia, conta não se abalar com xingamentos. Mas revela uma coisa que a chateia: reações xenófobas dos clientes de outros Estados que recebem sua ligação de São Luís (MA). "Já atendem achando que é do presídio de Pedrinhas, perguntam por que estamos ligando deste DDD [98]. Tento passar confiança para o cliente entender que é da operadora e, quando posso, falo algo para valorizar a cidade", contou ao UOL.
"São Luís não é uma ilha que só tem um presídio."

Alice*, 35, oferece rastreadores de veículos. Com cinco anos de experiência na área, Alice declara: "Quando digo minha profissão, sinto logo o preconceito. Se é atendimento ativo [liga para cliente em potencial], falam que a gente é chata. Se é receptivo [recebem chamadas], que a gente não resolve nada". Ela não gosta do emprego, mas afirma que, com seu currículo, só encontra colocação em call center. O sonho profissional —ainda longe de ser alcançado, pois não fez faculdade— é dar aulas de educação física.

Sua missão hoje, no telemarketing ativo, está entre as mais difíceis que já encarou: vender rastreadores de veículo. Tem xingamento, tem pouca receptividade, tem quem desligue na cara —situações comuns no dia a dia de quem ganha a vida fazendo ofertas por telefone. Nas estimativas de Alice, "90% das pessoas já atendem com duas pedras na mão".

A rejeição, acredita, seria menor se o mailing (lista de contatos para ligar) não fosse aproveitado "até a última gota", como define. "Ligou, recebeu um 'não', demore para fazer contato novamente. Mas não é assim que funciona.

Era mais fácil quando atendia uma operadora de telefonia, abordando clientes pré-pagos para trocar de plano –garante que, assim, encontrava mais abertura. Porém, também enfrentou tempo ruim na época em que telefonava para usuários de outras operadoras com uma proposta de portabilidade. De forma geral, explica Alice, quem já é cliente está mais disposto a ouvir aquilo que a empresa tem a oferecer.

Michael de Jesus, 22, oferecia cartões de crédito Da experiência de dois anos em call center, Michael —desempregado há sete meses— destaca duas histórias. Na primeira, o cliente perguntou se já o tinham mandado tomar no c* aquele dia. Diante da negativa de Michael, tratou ele mesmo de fazer isso. Na segunda, a mulher disse chorando que sua irmã, a pessoa que o atendente procurava, havia morrido. Ele se desculpou, ela começou a rir e explicou que era brincadeira: "Pode falar, sou eu".

Os dois casos são relatados em um vídeo no YouTube, em que o jovem fala sobre telemarketing na visão do operador. Ele calcula que 60% das pessoas para quem ligava não estavam interessadas no que tinha para oferecer.

"Cada ligação era uma bomba, sempre uma surpresa. A pessoa podia xingar, perguntar se eu não tinha o que fazer, desligar. Ou dizer que estava mesmo esperando aquele contato. Nestes últimos casos, costumava desconfiar de pegadinha", contou ao UOL o ex-atendente, que agora se aventura como youtuber.

Ele gravou o vídeo em questão quando ainda estava empregado e, apesar das dificuldades, afirma que voltaria a trabalhar em um call center.

Michael não acha o trabalho ruim nem se considera um operador chato, daqueles que insistem e fazem a fama da categoria. Mas confessa que já forçou a barra quando tinha um único dia para bater uma meta agressiva. "Infernizei a pessoa do outro lado da linha. Ela falou o quanto eu era insistente, chato, mas consegui fazer a venda", lembra.

Iara Nunes, 25, fazia cobranças para um grande banco. Seu primeiro emprego foi em um call center, aos 18 anos. No primeiro dia, um cliente de telefonia fixa estressado amaldiçoou a atendente: sua mãe morreria vítima de um câncer bem severo. Iara aplicou então uma filosofia de vida que já usava —"tudo depende de como você encara a situação"— e se manteve nesta área, trabalhando em empresas de diversos segmentos.

Em maio, pediu demissão para cuidar do filho recém-nascido, mas diz que voltaria: "Quando um cliente elogia seu atendimento, compensa qualquer coisa".

Uma de suas experiências foi a cobrança de clientes que não pagavam os empréstimos feitos com um grande banco. "Achei que cobrança era um bicho de sete cabeças, mas estava enganada. O difícil é trabalhar com produto ruim. Neste caso estava tudo ligado à conta corrente, e os clientes geralmente estavam dispostos a pagar. Alguns pediam para pararmos de ligar, mas, enquanto não resolvessem as pendências, continuávamos ligando."

Além do perfil do cliente, Iara cita também diferenças regionais. Ela, que mora e trabalhava em Fortaleza (CE), já teve de pedir a uma colega que ligasse a um cliente mineiro: ele estava desconfiado de seu sotaque cearense. Só baixou a guarda ao ouvir uma atendente com sotaque parecido.

Outro obstáculo são os bloqueadores de chamada, mas só em um primeiro momento. Ela afirma que os atendentes têm muitos métodos para chegar até o cliente, como ligar de números diferentes, com distintos DDDs e deixar recado com conhecidos.

Tem quem não queira falar. E também tem quem encontre no call center uma alternativa contra a solidão. Iara lembra de um senhor que telefonou ao atendimento de uma operadora, com uma desculpa qualquer para conversar. "Às vezes a gente tem que ser psicóloga. Eu não podia desligar na cara dele, então ouvi a história de sua vida, de sua família. Foram uns 20 minutos, quando meu atendimento tinha de ser feito em menos de um minuto."

Gabriel Porto, 25, oferece test drive de veículos. Há sete anos, quando começou a trabalhar na área, Gabriel tinha medo da rejeição no outro lado da linha —universo composto por xingamentos, grosserias e outras manifestações desagradáveis. Mas acha que a experiência lhe trouxe a tranquilidade necessária para estabelecer uma conversa com as pessoas para quem liga. Sua função atual também ajuda na receptividade, pois só oferece test drive para quem já comprou um carro daquela marca.

Para atrair logo de cara a atenção do cliente, Gabriel reforça a importância que dá à maneira de falar. Segundo ele, é preciso segurança, simpatia e encontrar o tom certo.

Ele conta que já levou grosserias para o lado pessoal, ofendendo-se, mas aprendeu a deixar para lá. "Pode xingar, falar o que for, não ligo. A pessoa não me conhece, aquilo não é para mim, estou só fazendo meu trabalho. Tem que entrar por um ouvido e sair pelo outro."

Uma bronca, no entanto, fez com que mudasse a forma como trabalha: ligou achando que era nome de mulher, mas era de um homem. Ouviu um monte de quem atendeu o telefone e, agora, não pede mais para falar com "senhor" nem "senhora". Começa a conversa com um "por gentileza" e já vai direto para o nome de quem procura —sem nem usar artigo.

Alexandre Luiz Rocha, 43, é supervisor de atendimento. "De cada dez clientes que ligam para falar com o suporte técnico, nove estão nervosos. E querem que o problema seja resolvido agora", relata Alexandre, com 18 anos de profissão. Por isso, repassa aos operadores com quem trabalha a importância de manter sempre a calma. "Eles são a linha de frente e, hoje, têm muito mais ferramentas para solucionar o problema. Antes, qualquer coisa era preciso mandar o técnico", compara.

Dirigente sindical da Sintetel (Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações no Estado de São Paulo), Alexandre reconhece o peso da profissão. Há muitos casos de tendinite, estresse, depressão. Ele se lembra do caso de uma jovem que, de tão irritada, largou o atendimento e foi para o corredor gritar. "Não pode absorver e levar isso para casa. Tem que acabar quando finaliza a ligação, quando passa a catraca."

Fonte: Folha Online - 01/07/2017

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