Reparação moral para universitária por sofrimento durante trotes em faculdade
Publicado em 28/06/2017
O ministro do STJ Luis Felipe Salomão não conheceu de recurso que questionava o valor de indenização arbitrada pela Justiça de São Paulo em favor de uma estudante vítima de trote universitário. Com a decisão, a aluna do Centro Universitário Nove de Julho (Uninove) receberá o equivalente a 50 salários mínimos por danos morais, com o implemento de correção monetária e juros.
No dia do incidente, um grupo de cerca de 50 estudantes (veteranos) invadiu as salas onde estavam os calouros, que tiveram os cabelos puxados e levaram chutes nas pernas. Segundo relatos, os novos alunos também foram empurrados e atingidos com jatos de tinta, levaram tapas e tiveram suas roupas e objetos pessoais danificados.
A aluna Ariela Rios Borges que pediu reparação por danos morais afirmou que os seguranças da instituição não fizeram nada para controlar o tumulto e não tomaram providências nem mesmo quando ela desmaiou. Além disso, os seguranças teriam impedido o ingresso da Polícia Militar, que foi acionada pelo serviço 190.
Em recurso especial, a Associação Educacional Nove de Julho, responsável pela instituição onde ocorreu o trote, alegou que “o valor seria desproporcional aos danos causados à estudante” e pediu sua redução, de acordo com o artigo 944 do Código Civil.
O acordão do TJ de São Paulo manteve o valor fixado na sentença por considerar que “a aluna e outros colegas foram submetidos a efetivo constrangimento durante o tumulto nas dependências da instituição de ensino”.
Em sua decisão, o ministro Salomão justificou o não conhecimento do recurso especial em razão da Súmula nº 7 do STJ, que impede reapreciação de provas. Segundo o julgado superior, a quantia de 50 salários mínimos “não se mostra dissonante dos parâmetros deste tribunal superior”.
A advogada Joelma Freitas Rios atua em nome da estudante. (REsp nº 1496238 – com informações do STJ e da redação do Espaço Vital).
A controvertida tradição do ensino superior
Encerrada a temporada de vestibulares, as universidades brasileiras recebem, duas vezes por ano, milhares de novos alunos. É a abertura da temporada de matrículas, aulas e trotes – uma das mais controversas tradições do ensino superior brasileiro.
Nos últimos anos, os trotes a alunos novatos têm chamado mais a atenção devido aos excessos: o caso exemplar de exagero foi o episódio que levou à morte, em 1999, o estudante Edison Tsung Chi Hsueh, que ingressava na prestigiosa Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Na manhã seguinte ao churrasco de recepção aos calouros, o corpo dele foi encontrado no fundo da piscina da associação atlética da faculdade.
A tradição, porém, não cessou. A cada temporada de matrículas, o trote volta a preocupar. Mas ele é também uma forma de inserir os calouros na nova fase, algo que os antropólogos costumam chamar de “ritual de passagem”. Trata-se de uma tradição medieval – no sentido temporal da palavra - a prática do trote persiste desde a Idade Média.
Segundo Antonio Zuin, professor do departamento de Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), os candidatos aos cursos das primeiras universidades europeias não podiam frequentar as mesmas salas que os veteranos e, portanto, assistiam às aulas a partir dos “vestíbulos” – local em que eram guardadas as vestimentas dos alunos.
“As roupas dos novatos eram retiradas e queimadas, e seus cabelos, raspados. Essas atividades eram pretensamente justificadas pela necessidade de aplicação de medidas profiláticas contra a propagação de doenças”, explica Zuin, que é também autor do livro “O Trote na Universidade: Passagens de um Rito de Iniciação”.
Mais intrigante é a origem do termo “trote”: é uma alusão à forma pela qual os cavalos se movimentam entre a marcha lenta e o galope. A aplicação da palavra ao mundo das relações entre calouro e veterano tem, na visão de Zuin, um significado claramente negativo. “É como se o primeiro devesse ser domesticado pelo segundo por meio de práticas vexatórias e dolorosas, que têm a função de esclarecer quais são as características das respectivas identidades” – diz ele.
O “bixo”
Paulo Denisar Fraga, filósofo e professor da Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG), lembra outro termo do vocabulário do calouro: “bixo”, que no contexto do ingresso na universidade é utilizado para designar os novos alunos. “É um trocadilho desumanizador, em que a letra ‘x’ indica, depois do vestibular, aquele que está marcado”.
No Brasil, o trote foi incorporado às “boas-vindas” nos cursos de direito de São Paulo e Pernambuco, provavelmente em 1831, quando ocorreu a primeira morte de que se tem notícia: o estudante Francisco Cunha e Meneses foi morto após violências físicas ocorridas na Faculdade de Direito do Recife.
Fonte: Espaço Vital - www.espacovital.com.br - 27/06/2017
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