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Os dois lados da escassez
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Os dois lados da escassez

Publicado em 27/01/2017 , por Samy Dana

O tempo escasso é uma faca de dois gumes tanto para sua produtividade quanto para seus resultados financeiros. Seu chefe lhe dá o prazo de duas semanas para entregar um relatório complexo. Nos primeiros dias, você estima que será capaz de concluir a tarefa - por mais chata que seja - sem dificuldade. Entre uma planilha e outra do dia a dia, faz pausas para cafezinhos, se distrai em conversas com os colegas de escritório, gasta horas do dia checando o celular. Faltando apenas três dias para o término do prazo, você ainda não concluiu metade da tarefa e agora muda totalmente seus hábitos para não perder o prazo: esquece o intervalo do café, mal dá bom dia aos colegas e deixa o telefone em modo avião para não ser incomodado.

A entrega é feita a tempo e você percebe que foi muito mais focado durante o período em que trabalhou sob pressão mais intensa do prazo. Por um lado, a tarefa foi otimizada nos últimos dias, por outro, é bem possível que outros detalhes importantes sobre a rotina do escritório tenham passado despercebidos por você nos últimos dias.

Em um contexto de escassez de tempo, podemos entrar em um estado que é conhecido em psicologia como inibição de objetivo: quando um objetivo forte inibe que outros objetivos menores sejam levados em consideração.

Para ilustrar como isso acontece, o economista Sendhil Mullainathan e o psicólogo Eldar Shafir descrevem no livro "Escassez" o caso de um acidente ocorrido com um bombeiro. A caminho de uma ocorrência de incêndio, a porta do caminhão abriu em uma curva muito fechada e o bombeiro caiu, bateu com a cabeça no asfalto e morreu. O acidente poderia ter sido evitado se ele tivesse se lembrado de um detalhe importante: usar o cinto de segurança.

Neste exemplo, a inibição de objetivo serviu para manter o bombeiro fortemente focado no combate ao incêndio que enfrentaria em instantes. Isso poderia ter tido um efeito positivo, tendo em vista que ele ficaria livre da influência de outros pensamentos e distrações no curto período que teria para se concentrar no combate ao incêndio. Porém, o foco excessivo nesse objetivo fez com que ele deixasse de lado o cinto de segurança, um detalhe importante que lhe custou a vida. O cinto não foi considerado como importante naquele momento porque estava fora do foco do bombeiro.

Os autores ainda citam um teste simples que mostra como a inibição pode funcionar. Procure listar dez palavras de coisas brancas, como neve e leite. A tarefa parece simples, mas depois de uns cinco minutos tentando trazer itens à memória, você verá que é mais complicado do que parecia ser. Isso acontece porque a ajuda de dois exemplos acaba atrapalhando. Uma vez que o seu cérebro tem a informação do leite impressa, todas as tentativas de lembrança vão insistir em voltar para essa palavra, tendo em vista que é um alimento tão marcado em nossa memória pelo fato de ser branco que acaba expulsando outros "concorrentes" do pensamento.

No trabalho e na vida financeira a inibição também pode ter um efeito paradoxal, como citado no exemplo do bombeiro. Manter o foco excessivo em uma tarefa prioritária pode te levar a ser mais produtivo, mas você corre o risco de não perceber mudanças importantes no meio corporativo nesse meio tempo: como um outro trabalho próximo do vencimento ou um e-mail importante de um cliente.

Da mesma forma, se você, por exemplo, percebe que tem poucos recursos em caixa na sua empresa e resolve cortar verba em marketing e publicidade, o foco em economizar pode te cegar para o fato de que a falta de um bom planejamento de divulgação pode espantar de vez os clientes e acabar com o seu negócio.
Pondere a forma como você se concentra no dia a dia. Sua atenção é uma arma poderosa, só é preciso ter cautela para que ela não se volte contra você.

Fonte: G1 - 26/01/2017

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