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'Estamos chegando ao fim da recessão', afirma ex-presidente do BC
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'Estamos chegando ao fim da recessão', afirma ex-presidente do BC

Publicado em 23/01/2017 , por RAQUEL LANDIM

Depois de três anos de um duro ajuste na economia brasileira, Affonso Celso Pastore está otimista com o futuro.

"Ainda não saímos da recessão, mas estamos chegando ao seu fim", afirmou o economista à Folha, prevendo que a economia voltará a crescer no segundo semestre.

Um dos analistas mais respeitados do país, ele diz que a recuperação será lenta, mas ressalta que 2017 começou muito melhor que 2016, com inflação sob controle, corte de juros e risco-país em queda.

Ex-presidente do Banco Central, ele afirma que ainda há incertezas, mas não vê muitos riscos para a recuperação, mesmo com a crise política. "Não existe risco sistêmico."

Folha - Já existem sinais de que a economia brasileira começou a se recuperar?
Affonso Celso Pastore - Sim. Basta comparar a situação atual com a do início de 2016. Há um ano, a cotação do CDS do Brasil [papéis cujo preço expressa o risco de calote da dívida, na avaliação dos investidores] estava em 600 pontos e o dólar bateu em R$ 4,10.
A situação fiscal era muito complicada, e a inflação chegou quase a 11%. As perspectivas para a atividade também eram muito ruins. A economia já tinha caído 2,8% em 2015, e as estimativas do PIB [Produto Interno Bruto] para 2016 flutuavam entre -3% e -4%.

As perspectivas para este ano são melhores?
O CDS está perto de 350 pontos. O câmbio saiu de R$ 4,10 para R$ 3,20. A valorização do real ajudou a reduzir a inflação, que terminou 2016 abaixo do topo da meta do governo [6,5%] e está convergindo rapidamente para 4,5%.
As estimativas para o crescimento variam de 0,5% a 1%, o que é baixo, mas não vejo ninguém estimando -3%.
O BC acelerou o corte dos juros depois de um grande esforço para trazer as expectativas de inflação para baixo.
Quando comparo as duas fotografias, é possível tirar apenas uma conclusão: 2017 começa muito melhor que 2016.

O que levou a isso?
Em primeiro lugar, mudou o governo, que colocou uma equipe econômica competente, com um diagnóstico correto, e que toma iniciativa.
Seis meses atrás, diziam que o governo não teria força para aprovar a PEC do teto dos gastos. Mas a proposta foi aprovada sem nenhuma desidratação, por placar favorável.
Além disso, o governo enviou ao Congresso uma reforma da Previdência corajosa, que será mais difícil de aprovar, mas que reconhece que nosso sistema previdenciário é incompatível com os recursos do país e com a demografia.
Também teve uma mudança importante na política monetária. Não tem mais aquela história de baixar os juros na marra. O BC corta os juros quando a inflação recua.

Mas então por que o país ainda está em recessão?
Não adianta ficar aflito. Quando os juros começam a cair, os resultados na atividade demoram para aparecer.
O canal do crédito está obstruído, porque o governo anterior gerou uma expansão tão grande dos empréstimos que elevou a inadimplência. Vai demorar até que as famílias absorvam suas dívidas e, por isso, o efeito da queda do custo dos empréstimos no consumo não será tão grande.
É provável que o PIB do primeiro e do segundo trimestre ainda mostre uma contração da atividade. A partir do segundo semestre, a economia vai voltar a crescer. O desemprego começa a cair, as pessoas ficam mais confiantes e consomem mais.
Não saímos da recessão, mas estamos chegando ao seu fim. A queda dos juros vai ajudar o país a sair da recessão.

Qual é a sua avaliação sobre a qualidade do ajuste fiscal promovido pelo governo Temer?
Congelar os gastos públicos é apenas o começo do ajuste fiscal, mas é importante dar o primeiro passo. Não vamos ter superavit primário tão cedo.
Como o gasto está congelado, o deficit só pode ser reduzido com alta de receita. E isso só vai ocorrer à medida que a economia volte a crescer. Ainda teremos deficit nas contas públicas e aumento na relação dívida/PIB em 2017 e 2018.
Mesmo assim é um ajuste fiscal enorme, porque o gasto público vinha crescendo 6% ao ano praticamente desde a Constituição de 1988.

O governo pode enfrentar dificuldades para cumprir a meta fiscal deste ano mesmo prevendo deficit?
Se a economia crescer mais rapidamente, teremos um aumento das receitas tributárias e a solução será mais fácil. No entanto, se a recuperação for mais lenta -o que é muito provável-, a arrecadação cresce mais devagar.
Ainda é cedo para uma avaliação precisa, mas há um risco de que o governo tenha dificuldade para cumprir a meta do deficit. Se isso ocorrer, o caminho será contingenciar despesas, o que dificulta atingir a meta em 2018, ou aumentar impostos e reduzir desonerações.

A crise financeira dos Estados é um risco para a recuperação da economia?
É um fator de risco, mas não é uma bomba prestes a explodir. Temos crise em três Estados: Rio, Rio Grande do Sul e Minas, cujos governos foram extremamente irresponsáveis.
Na expectativa de novas receitas, fizeram enormes aumentos no gasto com pessoal. Mas isso não ocorreu com Espírito Santo, São Pernambuco, Ceará, Goiás etc. É claro que numa recessão todos sofrem, mas não temos uma crise sistêmica nos Estados.

A instabilidade política que a delação premiada da Odebrecht pode criar impediria o país de sair da recessão?
Com a taxa de juros caindo, o Brasil sai da recessão. Quem estiver envolvido com corrupção que vá embora. Alguns ministros já saíram. Não vejo risco sistêmico.

Como as incertezas provocadas pelo governo de Donald Trump podem afetar o Brasil?
A economia americana está crescendo. Saiu de uma crise gravíssima e está hoje em pleno emprego. É por isso que os juros nos EUA subiram.
Não sei direito quem é Trump, mas vamos supor que ele corte impostos, faça um programa de infraestrutura e reduza o grau de regulação da economia.
Se fizer isso, a economia vai crescer um pouco mais, atraindo capital, e o dólar sobe um pouco. Mas não há muitas apostas em uma grande valorização do dólar.

Havia quanto tempo que o sr. não ficava otimista com o futuro da economia brasileira?
O pessimismo não é uma patologia. É só consequência da constatação de que se acumularam erros que levaram ao desastre. Um economista atento percebia que o Brasil se encaminhava para uma crise.
No fim de 2013 e no início de 2014, apontávamos que o país ia para uma recessão, que depois se comprovou a mais longa e profunda da história. A previsão vinha da constatação dos erros do malfadado experimento da "nova matriz".
Agora vejo um longo caminho de ajustes, cujos resultados, principalmente sobre o crescimento, não serão rápidos, mas o governo está seguindo no rumo certo.


RAIO-X: AFFONSO CELSO PASTORE

Nascimento: 19 de junho de 1939, em São Paulo

Formação: doutor em economia pela Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo

Carreira: sócio-fundador, presidente e consultor da A.C.Pastore & Associados; foi presidente do Banco Central entre setembro de 1983 e março de 1985

Fonte: Folha Online - 21/01/2017

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