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Fatura chega mesmo sem a prestação dos serviços
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Fatura chega mesmo sem a prestação dos serviços

Publicado em 21/06/2016

Condôminos de prédio inabitável recebem contas de gás, água e TV

RIO - As 72 famílias que foram obrigadas a deixar suas casas, há cerca de um ano, devido a uma explosão de gás que aconteceu em um edifício em São Conrado, Zona Sul do Rio, têm sofrido com um problema extra: cobranças por serviços não prestados. Apesar da suspensão das atividades, a fatura de empresas de gás, água e TV a cabo, por exemplo, continua a ser cobrada de vários condôminos. O caso que pode parecer singular é um exemplo extremo da realidade de muitos brasileiros que, segundo especialistas, são reiteradamente cobrados por serviços não prestados, o que motiva centenas de ações coletivas em promotorias país afora.

Síndico do Edifício Canoas, o engenheiro Carlos Pinto, conta que faturas de Cedae, Net e até da CEG, que presta o serviço que originou todo o transtorno, continuam a ser enviadas a vários condôminos. A cobrança mensal da Cedae ao condomínio é de R$ 5 mil, valor da taxa mínima, segundo a empresa.

— Não tem ninguém morando no prédio. É um absurdo essa cobrança. Já reclamamos à Cedae, fizemos requerimento de suspensão do pagamento, mas foi negado. Se não tiver outro jeito, teremos que tomar medidas judiciais — diz Pinto.

O engenheiro está entre outros condôminos que enfrentam problemas com a Net. Pinto tinha um pacote com TV, internet e telefone fixo de cerca de R$ 400. E, mesmo após a explosão de gás, passou meses sendo cobrado pelo mesmo valor, que depois caiu para a taxa mínima, de R$ 48.

— Em alguns dos contatos, os atendentes disseram que iriam negativar meu nome porque estava em atraso. Em outros momentos se desculpavam e diziam que isso não se repetiria, o que provou não ser qualquer garantia — queixa-se o síndico, que já cancelou o serviço mais de uma vez e está há dois meses sem receber a cobrança.

A Net afirmou que, em contato com o assinante, esclareceu as suas dúvidas.

AGRAVANTE DO DANO MORAL

Roberta Savio, também moradora do Canoas, se queixa que a CEG continuou enviando as faturas referentes ao consumo do seu imóvel após o acidente. A suspensão da cobrança se deu após três meses, depois de muita reclamação. Mas voltou no mês passado, exatamente um ano após a explosão de gás:

— O síndico entrou em contato com a CEG, que pediu para que desconsiderasse. No entanto, não tenho documento que prove isso, o que me preocupa.

A CEG informou que a conta foi emitida por um erro de faturamento, mas já está cancelada.

Para o gerente técnico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Carlos Thadeu de Olivera, a taxa mínima é “ilegal”, embora ela seja praticada por muitas concessionárias, e as mesmas se apoiem na Constituição, que diz ser permitida a cobrança de taxas de serviços públicos prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição.

— No entanto, no caso do condomínio de São Conrado, nem assim se justifica, pois os serviços sequer estão disponíveis — enfatiza o especialista.

Sidney Rosa, subcoordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Defesa do Consumidor do Ministério Público do Rio, ressalta que a taxa mínima calculada pela Cedae — de 15 metros cúbicos de água por residência, que no caso de condomínio é multiplicado pelo número de unidades — foi entendida como irregular pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ):

— A decisão do STJ afirma que a Cedae deve calcular pelo gasto da unidade.

Soraia Panella, coordenadora de Atendimento do Procon-RJ, destaca que a cobrança indevida por si só, já é uma prática abusiva, mas, quando a empresa causou algum prejuízo ao cliente, a situação se agrava:

— Isso agrava o dano moral.

Christiane Cavassa, coordenadora das Promotorias de Defesa do Consumidor do MP, diz que há ações coletivas movidas por promotorias de vários estados brasileiros sobre interrupção ou má prestação de serviço, de diferentes setores, a maioria deles envolvendo também cobranças indevidas:

— No entanto, por mais que o consumidor fique irritado de estar arcando com o custo de reforma por um dano que envolve a concessionária, se o serviço estiver sendo prestado, esses custos estão desvinculados. Mas nada impede um acordo.

Foi a proposta apresentada à advogada Lucia Currais, síndica de um prédio em Santa Teresa, no Rio, quando uma adutora da Cedae explodiu, no fim de 2014, e ocasionou vários danos ao condomínio. A concessionária deu opção de abater o prejuízo nas contas de água, mas os moradores preferiram receber a indenização, de cerca de R$ 50 mil. Antes de receberem o reembolso, no entanto, cerca de seis meses após o incidente, explodiu outra parte da adutora, causando novamente prejuízos. Dessa vez, a Cedae assumiu o conserto:

— Foi desgastante por tudo que aconteceu. Mas a negociação foi a melhor opção — relata.

CEDAE DEFENDE COBRANÇAS

Já a médica Selma Merenlender ainda não conseguiu reaver seu prejuízo. Ela conta que sempre teve poço artesiano e nunca usou o serviço da Cedae, mas tinha a ligação a sua disposição e por isso pagava a taxa mínima. Entretanto, as contas começaram a subir até chegar a R$ 2,6 mil. Ela conta que chegou a pagar R$ 6 mil para seu nome não ser negativado. E, mesmo depois de cortar o serviço, conta ela, continuou a receber faturas da Cedae. Para completar, há cerca de três meses, recebeu uma cobrança de esgoto, serviço que não está disponível na sua rua:

— Fui várias vezes à Cedae, ficava numa fila por duas, três horas e nunca tive uma solução.

Sobre o Edifício Canoas, a Cedae informou que não recebeu solicitação para suspensão do ramal. A respeito do caso de Selma, afirmou que o imóvel teve consumo médio diário de 1.400 litros por dia, que pode ser derivado de vazamento interno, que não é de responsabilidade da concessionária verificar. Quanto à cobrança de esgoto, disse que abrirá consulta para apurar. Sobre a tarifa mínima, a Cedae alegou ter previsão na lei 11.445/07.

A especialista em direito do consumidor Andrea Rocha orienta ao cliente que se sentir lesado em seus direitos a entrar em contato com o SAC da empresa, e não for solucionado, recorrer à ouvidoria. O cliente pode ainda, reclamar junto ao Procon ou entrar com um processo na Justiça.

A advogada Maria de Fátima Caldas ressalta que se o consumidor decidir por uma medida judicial deve ser proposta a Ação Declaratória de Inexistência de Débito.

Já o especialista em direito do consumidor Jansen Oliveira recomenda que o cliente anote todos os passos dados em direção à resolução do problema, e em seguida, procure os órgãos responsáveis pela regulação da concessionária em questão.

— Isso pode evitar um processo judicial que, na maioria das vezes, é longo e custoso.

Fonte: O Globo Online - 20/06/2016

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